quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

LULA, O MERCADO E O TETO DE GASTOS

lvaro Gribel, O GLOBO

A entrevista do ex-presidente Lula a jornalistas que o apoiam foi acompanhada com atenção por investidores do mercado financeiro. Na medida em que as principais falas de Lula apareciam em destaque nas telas dos operadores da bolsa, a moeda brasileira ia ampliando os ganhos sobre o dólar. Se por um lado Lula falou mal do mercado e disse que a política fiscal no seu governo estará em segundo plano, por outro, reafirmou que quer Alckmin como vice e que pretende buscar alianças até com a centro-direita para voltar à Presidência. Isso era tudo que a Faria Lima queria ouvir.

“O candidato que saiu na frente (das pesquisas) está rumando para o centro. É isso que os investidores querem”, sintetizou o economista Roberto Motta, da Genial Investimentos, em uma live voltada para investidores pessoa física, para logo em seguida ser chamado de comunista por apoiadores de Bolsonaro. Motta explicou que não fazia juízo de valor sobre o candidato petista, apenas que, pela interpretação do mercado, Lula aproveitou que falava a jornalistas de esquerda para se afastar das alas mais radicais do partido. “Lula estava em ambiente hostil para dar declarações que surpreenderam o mercado”, completou o economista.

O clima no mercado de câmbio já era propício para as moedas dos emergentes, que se valorizavam pelo aumento dos preços das commodities. Mas a fala de Lula deu impulso para que o real tivesse os maiores ganhos do dia, fechando em R$ 5,46. Para Alvaro Bandeira, do banco digital Modalmais, “Lula fez afagos em FHC e José Serra, foi menos agressivo que na semana anterior e falou em compor chapa com Alckmin. Isso trouxe maior tranquilidade aos investidores”.

A valorização do real nem de longe significa que Lula tenha se rendido ao mercado ou que o mercado esteja morrendo de amores por Lula. Ao contrário, o ex-presidente fez inúmeras críticas aos investidores, que não podem “apenas querer discutir os seus interesses” ou colocar a regra do teto acima do combate à fome e à pobreza. Apesar disso, Lula disse que “eles (o mercado) também serão ouvidos em seu governo”, em uma clara sinalização ao diálogo.

Em relatório a clientes, a XP Investimentos afirmou que a regra do teto de gastos já foi seriamente abalada no governo Bolsonaro e que por isso um “novo arcabouço fiscal” terá que ser discutido em algum momento. Lula ainda não disse como pretende controlar a dívida pública, caso eleito. Mas, se quiser ter estabilidade em seu governo, terá que fazê-lo. Por enquanto, uma simples sinalização ao centro e a defesa de Alckmin como vice foram suficientes para reduzir um pouco as tensões com o mercado. Isso ajudou na valorização de nossa moeda ontem.

Motivo para a desconfiança

O gráfico abaixo  mostra por que o mercado tem tanta preocupação com a política fiscal em um suposto governo petista. Foi a partir de 2013, no governo da ex-presidente Dilma, que a dívida acelerou e mudou de patamar, sendo parcialmente controlada entre 2017 e 2019, pelas medidas do teto de gastos. Vejam que a dívida bruta brasileira, como % do PIB, já destoava da média dos países emergentes, mesmo antes da pandemia.

China contém efeitos do Fed

O corte de juros anunciado pelo Banco Central chinês esta semana pode dar um alívio para a moeda dos países emergentes, como o Brasil, em ano de elevação dos juros pelo BC americano. Essa é a visão da economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico. “Foi uma redução pequena, mas indica que o governo chinês não medirá esforços para manter a atividade por lá aquecida. Isso aumenta os preços das commodities e traz mais dólares via exportação para países como o Brasil”, explicou. Ela projeta que o PIB brasileiro este ano terá retração de 0,2% com uma inflação de 5,6%. Ou seja, será mais um ano difícil na economia.

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