Com seu conhecimento da história da República e com sua experiência no poder, Fernando Henrique Cardoso adverte há tempo contra crises que saem do nada. A maior delas foi a da renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Colocou o país na borda de uma guerra civil, sem motivo nem propósito. Jânio tinha um golpe na cabeça, é verdade, mas a maquinação estava só na cabeça dele, como se viu.
Jair Bolsonaro alimenta uma crise semelhante e colocou no tabuleiro conflitos com o Supremo Tribunal Federal e com a Justiça Eleitoral. Para que? Afora a sua vontade de permanecer no governo, não se conhece seu projeto para reduzir o desemprego ou a inflação.
Em poucos dias, surgiram dois focos críticos.
Um é o perdão concedido ao deputado Daniel Silveira. Como o alcance da medida não afeta a inelegibilidade do cidadão, a encrenca desemboca num falso problema. A menos que o Congresso aprove uma lei mudando a regra, o que será a jogo jogado.
O segundo foco surgiu com a nota do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, vendo "ofensa grave" numa afirmação "irresponsável" do ministro Luís Roberto Barroso. O magistrado havia dito que as Forças Armadas vem sendo orientadas para duvidar das urnas eletrônicas.
Barroso não ofendeu as Forças Armadas, basta ler o que ele disse. Elogiou-as. Ademais, a suspeição contra o processo eletrônico de votação é arroz de festa na retórica do presidente Bolsonaro.
O ministro da Defesa lembrou em sua nota que as Forças Armadas têm assento na Comissão de Transparência das Eleições e "apresentaram propostas colaborativas, plausíveis e exequíveis, no âmbito da CTE (Comissão de Transparência das Eleições) e calcadas em acurado estudo técnico realizado por uma equipe de especialistas, para aprimorar a segurança e a transparência do sistema eleitoral, o que ora encontra-se em apreciação naquela Comissão".
O nó da questão está no final da frase: "ora encontra-se em apreciação naquela Comissão".
Fica a suspeita de que foram apontadas vulnerabilidades na coleta dos votos e na sua totalização. Esse debate pode ser feito já, ou depois da eleição. Se for deixado para depois, importa-se a encrenca criada por Donald Trump nos Estados Unidos. É melhor fazê-lo logo. Como ensinou o juiz americano Louis Brandeis em 1913, "a luz do sol é o melhor desinfetante".
A Comissão de Transparência pode divulgar seus debates e todas "as propostas colaborativas, plausíveis e exequíveis" que lhe foram apresentadas. Haverá tópicos sensíveis, cuja divulgação pode comprometer a blindagem do processo. Divulga-se então o que foi perguntado ou proposto e a justificativa técnica para o embargo. Pode ser que disso resulte um palavrório incompreensível para leigos, porém suficiente para quem sabe do assunto.
Com a luz do sol desinfetando essa discussão tiram-se da cena eventuais personagens interessados em incentivar o estilo do inesquecível Abelardo Barbosa, o "Chacrinha": "Eu não vim pra explicar. Vim para confundir."
A nota do ministro da Defesa contra os moinhos de vento que viu na fala de Barroso pode servir para ajudar a explicar. Até agora, serviu para confundir.
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