quinta-feira, 14 de abril de 2022

O BALCÃO DE NEGÓCIOS DO FNDE

Marcio Allemand, ISTOÉ

O Ministério da Educação (MEC) está se tornando rapidamente a maior vitrine de malfeitos e desvios do governo Bolsonaro. Os escândalos já revelados incluem a articulação de pastores lobistas em busca de comissões, o sobrepreço na aquisição de ônibus escolares, verbas para a construção de escolas fake e o envio de kits a colégios que nem têm água encanada. Agora, a ISTOÉ teve acesso a documentos que comprovam existir também um esquema de consultorias fake, que funcionam por meio de empresas laranja e geram caixa para partidos da base aliada do governo.

A fonte de recursos é o rico Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que gerencia um orçamento de R$ 55 bilhões. Bolsonaro delegou o controle do FNDE ao PP logo após celebrar sua aliança com o Centrão, em 2020. O presidente do órgão, Marcelo Lopes da Ponte, foi indicado pelo atual ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (Ponte era o seu antigo chefe de gabinete no Senado). Ciro foi um dos pilotos do casamento do grupo fisiológico com Bolsonaro, assim como Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, atual partido do presidente. E Valdemar virou o outro manda-chuva do FNDE, que se transformou no maior balcão de negócios de interesses paroquiais para cooptar prefeituras e aliados. A caixa-preta do FNDE funciona sob a batuta desses dois caciques.

Desde que começaram a surgir as denúncias de corrupção, o governo tenta evitar que a oposição instale uma CPI para investigar desvios no FNDE

De acordo com denúncias enviadas à reportagem da ISTOÉ, o esquema de consultorias fake é comandado por Gabriel Medeiros Vilar, que já trabalhava no MEC antes do governo Bolsonaro, mas passou a atuar em coordenação com os dois políticos. Gabriel, de apenas 27 anos, que também é conhecido como “menino de ouro” ou “menino raposo” por sua agilidade, é diretor de Articulação e Projetos Educacionais e seria o responsável por toda a articulação política do esquema, já que ele sempre manteve um bom relacionamento com vários parlamentares. É ele quem bate o martelo sobre liberação de orçamentos e consultorias. Já fazia parte dos quadros do MEC, mas se fortaleceu na atual gestão. Recentemente, ficou conhecido por ter comprado um automóvel cujo valor é incompatível com o salário que ele recebe.

O suposto esquema conta ainda com a participação de um homem forte indicado por Valdemar da Costa Neto: Garigham Amarante, diretor de Ações Educacionais do FNDE, responsável pelo recebimento de emendas para aplicação em programas de alimentação e transporte escolar (ele também foi flagrado com um automóvel de valor incompatível ao seu salário). A Diretoria de Tecnologia e Inovação está a cargo de Paulo Roberto Guimarães Júnior, que substituiu Paulo Roberto Aragão Ramalho, também indicado por Valdemar, após este ter sido exonerado em outubro do ano passado por indício de fraude em convênio assinado pelo FNDE.

Paulo Ramalho conheceu Valdemar Costa Neto na época em que o cacique do PL foi preso por envolvimento no esquema do mensalão. Ramalho era uma espécie de tutor de Valdemar quando este ficou em prisão domiciliar. Desde então, viraram amigos e Valdemar, que sempre lhe foi grato, em 2020 indicou Ramalho para o cargo no FNDE. Como sua diretoria só mexia com recursos para movimentar a própria diretoria, Ramalho começou a tentar fechar alguns contratos via Diretoria de Gestão de Fundos e Benefícios, então sob a gestão de Renata de Aguiar, que acabou sendo exonerada. Ela foi substituída por Gustavo Lopes de Souza, indicado por Ciro Nogueira, e este passou a ser responsável receber emendas para aplicação programas de financiamentos estudantis.

O esquema de consultorias envolve a contratação de firmas suspeitas, que recebem até R$ 300 mil mensais. Fontes informaram para a ISTOÉ que Gabriel Medeiros Vilar ficaria com 5% do montante, e a diferença seria enviada para os partidos. De acordo com as informações, as contratações dos consultores e das empresas de consultoria são articuladas pela funcionária terceirizada Lázara Caroline Martins, cujo nome consta como bolsista com função de professora no cadastro do FNDE, mas ela é terceirizada pela empresa G&E Serviços Terceirizados e não tem diploma de professora. Detalhe: no cadastro de consulta pública do FNDE, o nome de Lázara Caroline aparece como bolsista do FNDE desde 2011, sendo que ela começou a trabalhar lá como secretária há menos de dois anos. Quem a contratou foi Paulo Ramalho.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do FNDE informou serem seis os projetos vigentes de cooperação internacional no âmbito do órgão, mas não respondeu quais empresas de consultoria foram contratadas nem os valores pagos por cada uma delas. A reportagem teve acesso ao nome de duas dessas companhias, a T&S Telemática e Sistemas e a G&E Serviços Terceirizados, mas os telefones de contato que estão nos sites são inexistentes. O que se sabe é que esse esquema de consultorias começou em 2020. Um ano antes, o Ministério da Educação (MEC) anulou um acordo de assistência técnica e contratação de consultores que havia sido firmado com a Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI)desde 2008. Quando o ministro Abraham Weintraub pediu demissão da pasta, o Centrão entrou e o esquema começou.

Escândalos em série

Os escândalos no FNDE se sucedem. As propinas e vantagens ilícitas de prefeituras de todo o Brasil com participação dos pastores-lobistas Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura levaram à queda do ministro Milton Ribeiro. Desde o início do ano passado, os religiosos intermediavam verbas do FNDE com municípios para a construção de escolas, creches e fornecimento de equipamentos e serviços de educação. Tudo com o aval do presidente. Depois da queda do ministro, uma licitação de ônibus escolares que ocorreria no início de abril indicava um sobrepreço de R$ 732 milhões. A licitação previa a aquisição de 3.850 veículos para o programa Caminho da Escola. Conforme dados do setor técnico do MEC, cada veículo deveria custar R$ 270,6 mil. Apesar das indicações em contrário, o presidente, Marcelo Pontes, e do diretor de Ações Educacionais, Garigham Amarante, aprovaram o negócio em que o governo poderia pagar até R$ 480 mil por cada ônibus, o que aumentaria o valor total da compra em 55%, passando de R$ 1,3 bilhão, para 2,045 bilhões. Uma diferença de R$ 745 milhões. Depois da denúncia, a licitação foi suspensa pelo ministro Walton Alencar, do TCU.

Agora já se sabe que o FNDE autorizou a construção de 2 mil escolas, apesar de haver outras 3,5 mil com obras paradas em todo o país. Isso tudo repassando recursos que seriam insuficientes para sua execução e num esquema operado pelo indicado de Ciro Nogueira. No Piauí, reduto do ministro da Casa Civil, seriam construídas 52 escolas fake, abandonando outras 99 obras que estavam em andamento no Estado. A maioria quase que absoluta dos contratos para a realização das obras por lá foi feita com prefeituras piauienses comandadas pelo PP. O esquema garante que deputados aliados conquistem votos em suas bases com obras que, na prática, nunca sairão do papel por falta de previsão orçamentária. O FNDE também destinou R$ 4,1 milhões à compra de caminhões frigoríficos para o transporte de merenda escolar. Três quartos da verbas eram destinados a 14 cidades governadas por prefeitos do PP, sendo nove no Piauí, reduto eleitoral de Ciro Nogueira.

Outro líder do PP, Arhtur Lira, atuou para liberar dinheiro de um “kit robótica” para escolas que não têm água nem computadores em Alagoas, seu reduto eleitoral. Sete municípios receberam R$ 26 milhões por meio do orçamento secreto, esquema criado na gestão do atual presidente da Câmara. Os kits foram comprados por preço bem superior ao praticado no mercado, com valores liberados em velocidade incomum. A atual cúpula do Centrão não tem o monopólio da bandalheira no FNDE. Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, impediu-se a licitação de R$ 3 bilhões para aquisição de notebooks para colégios pelo País. Numa única escola em Minas Gerais, cada um dos 255 estudantes receberia 117 laptops. O edital foi cancelado, mas nunca foram apontados os responsáveis.

Freio nas investigações

Desde que começaram a surgir as denúncias de corrupção no MEC, o governo e a oposição vêm travando uma batalha para travar ou instalar uma CPI para investigar o que vem acontecendo Educação com os recursos do FNDE. Neste ano de 2022, o FNDE tem um orçamento aprovado no valor de R$ 64,78 bilhões. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que está à frente da batalha para instalar a CPI, busca, desde semana passada, obter as 27 assinaturas que são necessárias. Até poucos dias ele havia conseguido reunir as assinaturas necessárias, mas três senadores resolveram retirar seus nomes da lista (Oriovisto Guimarães, do Podemos do Paraná; StyvensonValetim, do Podemos do Rio Grande do Norte; e Weverton Rocha, do PDT do Maranhão). Randolfe acusa o governo de agir com sua tropa de choque para impedir a CPI. Para ele, as denúncias envolvendo o MEC demonstram que se estabeleceu um balcão de negócios na pasta. “Inicialmente, pensamos que se tratasse apenas do caso envolvendo os pastores lobistas, mas não. De fato, não tínhamos noção do que acontecia lá dentro. Nada no FNDE passou a ser lícito, agora com essas novas denúncias”.

Já a deputada Tábata Amaral (PSB) diz que a Câmara está se esforçando para ter uma CPI, mas que está esbarrando com a bancada religiosa e com o Centrão. Ela diz também que há um paralelo entre os escândalos no MEC e a condução da pandemia feita pelo governo Bolsonaro. “Temos um governo que persegue a mentira, conforme vimos durante a pandemia, e que não tinha nada programado para a Educação. Faço esse paralelo porque abaixo disso tudo temos que dizer que existe, sim, corrupção. Tudo isso serve para abafar esquemas de corrupção muito grandes. Os envolvidos são os mesmos de sempre, não é ninguém de fora”. Além dos esquemas bilionários de desvio com vacinas desvendados pela CPI da Covid, os sinais vêm de várias áreas da administração. É o caso da Codevasf, que expandiu sua atuação com verbas de negociação política e passou a beneficiar quase metade dos municípios do País para obras de pavimentação e maquinário. Mas entrega obras precárias, sem planejamento nem controle adequado, segundo órgãos de fiscalização e documentos da própria estatal.

“Não tem o que investigar aqui, não fazemos nada de errado”, disse Bolsonaro sobre as últimas acusações. É mais uma impostura. Apesar das evidências sobre os ônibus superfaturados, os aliados do presidente no PP e no PL desconsideraram os alertas e prosseguiram com a bandalha, parando apenas quando o esquema foi revelado. O objetivo de Bolsonaro, mais uma vez, é escapar ileso das denúncias que se multiplicam. Nos últimos dias, a PF concluiu que Ciro Nogueira praticou corrupção e lavagem de dinheiro ao receber dinheiro do grupo J&F, segundo documento enviado ao STF. Os pagamentos teriam sido feitos ao ministro para que o PP apoiasse a campanha de reeleição da então presidente Dilma Rousseff, em 2014. Ciro é vital para o governo e a aliança com o Centrão, mas as denúncias em série, e no momento em que a disputa eleitoral começa a esquentar, virou um problema para o presidente que tenta transmitir uma imagem de paladino anticorrupção – apesar de todas as provas em contrário. A queda do ministro da Educação, Milton Ribeiro, na esteira do bolsolão, já foi uma tentativa de aliviar a imagem do presidente. Com a PF carimbando no seu principal ministro a marca de corrupção, já se ensaia no bolsonarismo o discurso de que as acusações contra PP se referem “aos governos anteriores”. Mas Bolsonaro, como não cansa de demostrar, não só herdou com gosto os esquemas suspeitos, como os ampliou.

Em nota, a defesa dos diretores do FNDE se pronunciou sobre o caso

As acusações lançadas contra os diretores Garigham Amarante Pinto (de Ações Educacionais) e Gabriel Vilar (Gestão, Articulação e Projetos Educacionais) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) são genéricas, anônimas e infundadas.

Os dois diretores não trataram das supostas contratações mencionadas na reportagem da revista e, portanto, não cometeram nenhuma irregularidade. Contratações de empresas de terceirizados são de responsabilidade de outras áreas da administração e passam por rigoroso processo de fiscalização.

O aparente desconhecimento técnico dos autores dos ataques parece ser a tônica, haja vista induzir o completo desconhecimento do procedimento interno do FNDE e os responsáveis

As insinuações contra os dois diretores, baseadas em fontes anônimas, são uma manobra de caráter político com o claro objetivo de desgastar o governo e criar um clima de animosidade em ano eleitoral. Esperamos que a verdade seja colocada no seu devido lugar.

Robson Halley, advogado

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