segunda-feira, 25 de abril de 2022

O DIREITO ENTRE A GRAÇA E A DESGRAÇA

Luis Frederico Balsalobre Pinto, Folha de S.Paulo

Mestre em Direito Penal (PUC-SP) e sócio de Rolfsen, Balsalobre e Cusciano Advogados, é ex-delegado de polícia

O debate político nacional não guarda fronteiras e convoca o direito a mediar seus intrincados conflitos, que se expandem pelos Três Poderes. Se o Poder Legislativo e seu irmão mais próximo, o Executivo, se legitimam pelo voto popular, o irmão mais afastado, o Poder Judiciário, se ancora no sistema jurídico e, por isso, cada um deles possui palcos diversos para solucionar os temas que lhes são impostos.

Não é incomum a colisão entre Poderes, sendo, antes, ínsito ao Estado democrático de Direito. Essas colisões são previsíveis e, como na briga entre três irmãos, superáveis. O equilíbrio entre os Três Poderes é preocupação antiga e lição longínqua de Monstesquieu, densificada pela Constituição Americana de 1787 no sistema "check and balances". Problema seria se, desse conflito, irrompesse uma revolução ou guerra civil, mas, em uma democracia madura, tais temas tendem a ser resolvidos dentro do sistema jurídico.

A polêmica da vez foi o benefício da graça, concedido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ).

O instituto da graça, assim como o indulto, é ato político de perdão, concedido pelo Estado como forma de extinção da punibilidade de réu condenado criminalmente. Enquanto o induto é concedido para uma coletividade de pessoas, a graça é concedida para um indivíduo específico.

O deputado Daniel Silveira foi condenado criminalmente, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, por crime topograficamente inserido entre aqueles contra a administração pública. Sendo assim, está inelegível por oito anos, conforme a Lei da Ficha Limpa. A perda dos direitos políticos do deputado é efeito extrapenal; por isso, não é contemplado pela graça, que se circunscreve ao perdão da pena criminal.

Não há jurisprudência firme sobre a graça, por ser muito rara sua concessão —diferentemente do indulto, que possui robusto acervo jurisprudencial. Ainda que próximos, os institutos não se confundem, especialmente no ponto nevrálgico que paira sobre a graça concedida: o eventual desvio de finalidade.

Como o indulto é sempre coletivo, os beneficiários não são determinados, motivo pelo qual a sua concessão tende a ser impessoal, sem pairar suspeita de qualquer sorte de favoritismo. Já a graça possui destinatário certo, restando sua motivação mais suscetível à crítica. Sendo um ato político, o presidente possui ampla liberdade para concedê-la, mas tal amplitude não é irrestrita.

Não é simples a intervenção do Poder Judiciário em ato político, ainda que seja possível. Admite-se a análise jurídica sobre motivação do ato, seja aquela exposta no decreto, sejam os motivos implícitos, podendo ser decretada a anulação deste em casos excepcionais. O conflito entre esses dois irmãos distantes nem sempre são fraternais, mas necessariamente estarão dentro do sistema jurídico, cabendo à política acomodar-se na grande arquibancada que permeia esse palco.

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