sexta-feira, 8 de abril de 2022

ONGs AMIGAS

Editorial Folha de S.Paulo

As organizações não governamentais (ONGs) têm sido um dos alvos preferenciais da ofensiva ideológica de Jair Bolsonaro (PL).

Desde antes de assumir a Presidência, o mandatário e seu entorno se dedicam, de maneira obsessiva e generalizante, à tarefa de demonizá-las, questionando os recursos públicos a elas direcionados, apontando supostas falhas de fiscalização e difamando suas ações.

Essa ojeriza, no entanto, opera de forma bastante seletiva —como se sabe agora. No ano passado, o governo federal autorizou o repasse de R$ 6,2 milhões a duas ONGs —uma controlada pelo ex-jogador Emerson Sheik e outra pelo lateral-direito da seleção brasileira Daniel Alves— para a realização de cursos esportivos.

O apoio fornecido a um tipo de entidade tão combatida pelo presidente não é, porém, o que mais chama a atenção no caso.

Conforme reportagem da Folha, as duas instituições tiveram seus projetos aprovados mesmo não apresentando nenhuma experiência prévia na área. Mais grave: a assinatura dos convênios só foi possível porque os atletas se valeram de uma manobra para driblar as exigências legais, recorrendo às chamadas "ONGs de prateleira".

A expressão batiza associações que, apesar de criadas há um tempo considerável, não realizam atividade, servindo, em muitos casos, apenas para satisfazer o prazo de três anos de existência exigido pela lei para a consecução de parcerias com a administração federal.

Ambos os atletas assumiram suas ONGs poucos meses antes de apresentarem as propostas ao governo.

No caso de Sheik, uma entidade fundada há 26 anos e até então sem ação social na área do esporte. Em dezembro, a ONG assinou um convênio para a instalação de três unidades esportivas no estado do Rio por R$ 2,7 milhões.

Já a associação de Alves, que estava inativa havia cinco anos, firmou um contrato de R$ 3,5 milhões para a criação de três núcleos de basquete 3 x 3 na Bahia, em Pernambuco e no Distrito Federal.

As verbas foram alocadas por meio de emendas de dois deputados governistas. Próximo da família Bolsonaro, Sheik desistiu da parceria após ser procurado pela reportagem —Alves também já manifestou simpatia pelo governo.

O Ministério da Cidadania diz que não há ilegalidade nos acordos. Pode até ser. Na prática, porém, os convênios deturpam o sentido da lei e colocam em xeque a impessoalidade imprescindível a qualquer política pública.

FOTO - O presidente Jair Bolsonaro (PL), o secretário especial do Esporte, Marcelo Magalhães, e o ex-jogador Emerson Sheik - Ministério da Cidadania

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