Se correr muito e conseguir vender a Eletrobras, o presidente Jair Bolsonaro poderá pelo menos atenuar um dos maiores fracassos de seu mandato. Reduzir o tamanho do Estado com privatizações foi uma de suas bandeiras eleitorais em 2018. Pouco antes de se tornar ministro da Economia, Paulo Guedes prometeu conseguir R$ 1 trilhão em pouco tempo com a venda de estatais. Em março de 2019, já no Ministério, ele apresentou novo cálculo, mencionando uma receita possível de R$ 1,25 trilhão. Não houve grande avanço, no entanto, durante a maior parte dos três anos seguintes. Em agosto de 2020, o secretário Especial de Desestatização, Salim Mattar, pediu demissão.
Com muito atraso, o Executivo tem a possibilidade, agora, de executar pelo menos um projeto de privatização. O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou na segunda-feira, por sete votos a um, o processo de venda do controle da Eletrobras. O plano é reduzir a participação de 60% para cerca de 45% da parcela da União no capital da empresa. Ações serão oferecidas no mercado e trabalhadores poderão comprá-las com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Seis bilhões de reais poderão ser liberados para essa destinação.
O poder central terá de trabalhar com rapidez, se quiser concluir a privatização antes da campanha eleitoral.Também se fala em encerrar a operação antes das férias de verão no Hemisfério Norte, porque os planos incluem a oferta de ações a investidores do mundo rico. Internamente, convém à equipe de Bolsonaro evitar, tanto quanto possível, o confronto com candidatos contrários à desestatização da Eletrobras e de outras companhias controladas pela União. O Executivo terá de exibir, portanto, uma eficiência raramente mostrada em quase três anos e meio do atual mandato presidencial.
Cuidar desse processo será uma das principais missões do novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida. Ele acompanhou a análise do projeto pelos ministros do TCU e empenhou-se na obtenção de apoio à pretensão do presidente. Além disso, já sugeriu uma destinação, provavelmente parcial, para a receita conseguida com a venda: restringir ou evitar o aumento da conta de luz.
Se essa ideia for aprovada, haverá algum alívio para os consumidores, já atormentados pela alta de muitos preços, e uma preocupação política do presidente será afastada. Dinheiro obtido com uma operação de caráter estrutural, a desestatização de uma grande empresa, será usado, nesse caso, para resolver um problema conjuntural – um aumento de tarifa – e para servir a um propósito eleitoral. Historiadores terão mais um episódio de chanchada para tornar seus livros um pouco menos sisudos.
Mas nem o resultado financeiro dessa privatização é garantido. Durante a tramitação no Congresso, o projeto de venda da Eletrobras ficou sujeito à inclusão de jabutis. O maior deles, a criação de um conjunto de gasodutos, poderá custar, segundo as estimativas até agora conhecidas, cerca de R$ 100 bilhões ao poder público.
O ministro Sachsida está encarregado também de outras tarefas consideradas importantes, em termos eleitorais, para seu chefe. O presidente Jair Bolsonaro continua empenhado em evitar aumentos de preços de combustíveis. Esse empenho já resultou na demissão de presidentes da Petrobras e do ministro Bento Albuquerque, antecessor de Sachsida. Além de dar atenção a esses preços, o ministro de plantão deve manter no ar a ideia de privatização da Petrobras. Muito complicada politicamente, essa pretensão pode servir pelo menos, durante a campanha, para animar o eleitorado bolsonarista.
Mesmo com sentido apenas eleitoral, esse debate será inoportuno e perigoso. Pode-se defender a privatização da Petrobras, mas será irresponsabilidade tratar do assunto sem um exame cuidadoso de suas implicações estratégicas. Exames desse tipo nunca foram empreendidos pela atual cúpula do poder, avessa às ideias de governo, de planejamento e de objetivos nacionais. Esquecer a privatização da Petrobras será a melhor contribuição do ministro Sachsida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário