domingo, 15 de maio de 2022

PRECEDENTE PERIGOSO

Editorial Folha de S.Paulo

O jornalista Rubens Valente foi condenado a pagar um valor exorbitante a título de ressarcimento por danos morais ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O magistrado iniciou processo contra Valente em 2014, por ter sido um dos personagens do livro "Operação Banqueiro".

O jornalista, que chegou a ser absolvido na primeira instância, já pagou R$ 143 mil a Mendes em fevereiro e deverá arcar com mais de R$ 175 mil caso a Geração Editorial, responsável pela livro, não o faça.

O despropósito não é compatível com a jurisprudência do próprio Supremo, que confirmou a decisão favorável ao ministro. Em outros casos envolvendo indenização por danos morais e materiais, a corte tem aplicado a chamada "cláusula de modicidade" —que prevê montantes proporcionais ao dano sofrido por alguém.

Tratando-se de material jornalístico, deve-se considerar também que "todo agente público está sob permanente vigília da cidadania", como o STF entendeu ao julgar a Lei de Imprensa, em 2009.

Causa estranheza que o tribunal deixe a modicidade de lado justamente quando um de seus ministros está no centro da querela jurídica. Gilmar Mendes, deve-se destacar, nem sequer é figura central do livro do jornalista, que trata de investigação envolvendo negócios do banqueiro Daniel Dantas.

Procurado pela Folha, o magistrado não quis apontar quais seriam os erros referentes a sua pessoa na obra, nem as razões pelas quais recusou uma entrevista a Valente, ex-profissional deste jornal.

Obviamente, todos os cidadãos têm direito a serem compensados em caso de danos a suas imagem e honra. Entretanto autoridades públicas não podem empregar tal argumento para requerer indenizações além do razoável sem explicações convincentes.

Em nota, o Supremo afirmou que não fez "análise sobre o valor da indenização ou o conteúdo do livro" —estando estes a cargo do tribunal de origem. Na condição de corte de cunho constitucional, admira que não tenha considerado as implicações do caso para o exercício da liberdade de imprensa.

Não por acaso, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) expressaram preocupação com a decisão. Abriu-se um precedente perigoso de intimidação ao jornalismo profissional.

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