quarta-feira, 13 de julho de 2022

MISTÉRIO POPULACIONAL

Editorial Folha de S.Paulo

Como sabe qualquer consumidor de suspenses policiais, desfechos esperados desde o começo também são capazes de provocar surpresa: não se trata de saber se o detetive desvendará o mistério, e sim de ver como ele fará isso.

O relatório demográfico da ONU lançado nesta segunda-feira (11) cumpriu seu papel ao revelar como a Covid afetou a dinâmica populacional. A ninguém escapava que haveria algum impacto, mas todos esperavam saber seu tamanho.

Pois a expectativa média de vida global caiu de 72,8 anos em 2019 para 71 em 2021, ou 1,8 ano a menos no período. Trata-se da primeira desaceleração em cinco décadas.

Se o recuo geral atesta a gravidade da pandemia, a média esconde diferenças entre os países. O Brasil, por exemplo, experimentou redução maior, de 75,3 anos para 72,8 (queda de 2,5 anos) —resultado que tem na incúria de Jair Bolsonaro (PL) o seu fator decisivo.

De acordo com a ONU, felizmente, as tendências de longevidade devem se recuperar em todos os países até 2025, a depender, entre outras coisas, do índice de cobertura vacinal —área em que, apesar de Bolsonaro, o Brasil vai bem em termos comparativos.

Isso não significa, contudo, que o panorama vislumbrado pela ONU seja carregado de alvíssaras; as projeções para o futuro, foco principal do estudo, andam na corda bamba em que as previsões demográficas se equilibram há mais de 200 anos.

Aos olhos otimistas ganhará destaque o fato de o novo pico calculado para a população mundial ser de 10,4 bilhões de pessoas, menos que os quase 11 bilhões estimados antes. Não só a pandemia mas também a Guerra da Ucrânia contribuem para isso.

Menos habitantes num planeta em crise ambiental pode ser uma boa notícia, mas o crescimento continuará elevado em países pobres, como República Democrática do Congo, Egito, Etiópia, Nigéria, Tanzânia, Paquistão, Filipinas e Índia –que, por sinal, deverá ultrapassar a China como mais populoso do mundo já em 2023.

Todos terão a oportunidade de aproveitar o acréscimo de jovens em idade de trabalho, mas, se não adotarem políticas públicas adequadas, terminarão apenas com as consequências negativas da mudança populacional.

Foi o que aconteceu com o Brasil. Prestes a ser ultrapassado pela Nigéria no ranking das maiores populações, o país ainda não soube se preparar para seu perfil etário envelhecido e tenderá a sofrer com desafios para os sistemas de saúde e de Previdência.

Nesse caso, não há mistério: a responsabilidade é de todos os governantes que, de olho apenas no curto prazo, negligenciaram as projeções para o futuro.

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