Discutir golpe é gravíssimo, não importa a versão
O senador Marcos do Val concedeu uma entrevista bombástica à revista Veja acusando o ex-presidente Jair Bolsonaro de incitá-lo a participar de um golpe de Estado.
Segundo o senador, Bolsonaro o contatou por meio do deputado Daniel Silveira. Do Val disse que, em reunião secreta no Palácio da Alvorada, o ex-presidente pediu que ele agendasse uma conversa com o ministro Alexandre de Moraes, com quem mantinha relações. A conversa seria gravada com equipamentos do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) que, segundo ele, estava a par do plano. Do Val tentaria arrancar do ministro uma inconfidência, dizendo que estava se excedendo nas decisões eleitorais, sem observar a Constituição. Na entrevista, Do Val foi categórico ao afirmar que o presidente fez diretamente a solicitação para que gravasse a conversa. Numa live com o MBL, no dia anterior à publicação da entrevista, foi ainda mais enfático e disse ter sido “coagido” pelo presidente a participar de uma tentativa de golpe.
A gravação, segundo a entrevista, seria usada como pretexto para prender Moraes, anular as eleições e manter Bolsonaro no poder. O relato é compatível com o teor da minuta de Medida Provisória encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que previa a decretação de Estado de Defesa na sede do TSE e a possibilidade de alterar o resultado das eleições presidenciais por meio de uma comissão controlada pelo presidente. As peças se encaixam formando o desenho do complô golpista. Um complô ridículo, mas golpista mesmo assim.
Na manhã da quinta-feira, Do Val se encontrou com o senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente. A partir daí, mudou a sua versão. O próprio Flávio, em discurso no Senado, apresentou a nova versão, segundo a qual o pai apenas escutou uma proposta feita por Daniel Silveira.
Em entrevistas a diversos veículos de imprensa e em depoimento à Polícia Federal, Do Val confirmou essa nova versão, em que Bolsonaro não mais o incitava a participar do golpe, mas apenas escutava em silêncio uma proposta que partia de Silveira. Por essa nova versão, o encontro não mais aconteceu no Palácio da Alvorada, e a proposta de gravar uma conversa com Moraes não mais contava com o apoio do GSI.
O que há em comum tanto na versão original da história como na versão revisada é a reunião reservada entre Bolsonaro, Silveira e Do Val em que se discutiu um plano para gravar Moraes e usar a gravação para prendê-lo e reverter o resultado das eleições. Nem mesmo Flávio Bolsonaro nega que essa conversa tenha acontecido. E isso, por si só, é gravíssimo.
As pistas, se verdadeiras, colocariam o ex-presidente Bolsonaro, Silveira, o general Heleno (então ministro-chefe do GSI) e o então ministro da Justiça, Anderson Torres (em cuja casa foi encontrada a minuta do decreto de Estado de Defesa), como articuladores da tentativa de golpe de Estado que se desenhou para novembro de 2022.
Depois, vemos reaparecer alguns desses mesmos personagens nos eventos de 8 de janeiro, que podemos chamar de plano B da tentativa de golpe. A ideia, como se sabe, era que a invasão das sedes dos Três Poderes, acompanhada de sabotagem na distribuição de energia e combustíveis, produzisse uma convulsão social que levaria à intervenção das Forças Armadas.
Torres, que deixou o Ministério da Justiça para assumir a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, não preparou a polícia para receber a manifestação do dia 8 em Brasília e ainda saiu “de férias” para o exterior poucos dias depois de assumir o cargo.
Na véspera do 8 de Janeiro, o GSI dispensou todo um batalhão da Guarda Presidencial 20 horas antes da invasão do Palácio do Planalto. O GSI não estava mais sob comando do general Heleno, mas a equipe era essencialmente a mesma, já que Lula não tinha ainda tido tempo de mudá-la.
Bolsonaro, beneficiário direto do golpe, nunca condenou as aglomerações nos quartéis onde a invasão foi gestada.
No plano A, os personagens parecem ter agido ativamente, numa conjuração; no plano B, parecem ter agido por omissão — ainda que possam também ter participado da concepção. Ambos os planos eram farsescos e ridículos. Mas também foi farsesca e ridícula a Marcha sobre Roma organizada por Benito Mussolini em outubro de 1922. Sabemos o que aconteceu depois.
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