quinta-feira, 31 de agosto de 2023

DESONERAÇÃO DA FOLHA: O TEMPORÁRIO QUE VIROU PERMANENTE

Bruno Carazza, Valor Econômico

Pauta-bomba aprovada na Câmara coloca Haddad e Lula diante do dilema de corrigir erro de Dilma

Políticos raramente reconhecem suas falhas. Embora ainda hoje se cobre um mea culpa da cúpula do Partido dos Trabalhadores pelos escândalos de corrupção do Mensalão e do Petrolão, há um erro que Lula, Dilma e até Haddad admitem.

Em março de 2021, no seu primeiro discurso após a anulação dos processos contra ele na Operação Lava Jato, em resposta a um questionamento da repórter Cristiane Agostine, do Valor, sobre os temores do mercado sobre uma eventual volta ao poder, Lula questionou:

“Qual é o demônio? O demônio é a safadeza daqueles empresários que o Guido Mantega quando ministro da Fazenda liberou R$ 540 bilhões de desoneração e que não foi repassado para o povo trabalhador.”

Alguns anos antes, numa entrevista à TV suíça RTS, a ex-presidente Dilma Rousseff reconheceu aquele que teria sido o maior erro da sua gestão: “Eu cometi sim um erro. Eu fiz uma grande desoneração tributária, eu reduzi brutalmente os impostos. [...] De uma certa forma eu acreditei numa avaliação de que se a gente reduzisse os impostos, os empresários investiriam mais e aí a situação ficaria melhor”.

No famoso artigo que escreveu para a revista piauí em junho de 2017 (“Vivi na pele o que aprendi nos livros”), o agora ministro da Fazenda Fernando Haddad indicou que uma das causas para a grande recessão econômica iniciada em 2015 foi uma “agenda equivocada” adotada no primeiro mandato de Dilma Rousseff que tinha na desoneração da folha de pagamentos um elemento central.

O Congresso Nacional acaba de prorrogar até 31/12/2027 a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia. Trata-se de mais um capítulo na longa história desse benefício tributário que tem início em agosto de 2011, com a presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda Guido Mantega.

A ideia era beneficiar alguns setores que estavam tendo dificuldades após a grave crise financeira de 2008, como tecnologia da informação, equipamentos de comunicação, vestuário, calçados, móveis, couro e peles. Em linhas gerais, o governo concedia um alívio tributário em troca da promessa da manutenção de empregos.

A medida provisória que institui a desoneração da folha de pagamentos originalmente previa que o programa seria temporário, socorrendo as empresas apenas no período de agosto de 2011 a dezembro de 2012.

Ainda na tramitação da medida, os parlamentares expandiram os setores beneficiados e alargou sua duração para o final de 2014.

Até o final de seu primeiro mandato, Dilma editou mais seis medidas provisórias estendendo a desoneração a dezenas de outros setores. Numa delas, chegou a tornar a desoneração da folha de pagamentos um benefício permanente.

Logo após a reeleição, a presidente petista nomeou o economista Joaquim Levy para o posto que foi de Guido Mantega durante mais de oito anos. Preocupado com o custo fiscal, que na época girava em torno de R$ 25 bilhões por ano aos cofres públicos, e com os escassos resultados em termos de geração de emprego, Levy cogitou encerrar aquilo que ele chamou de “brincadeira grosseira” em 2015. O máximo que conseguiu foi reduzir o número de setores contemplados e elevar a alíquota de contribuição.

Após o impeachment, Michel Temer e a equipe de Henrique Meirelles bem que tentaram a reoneração da folha de pagamentos, mas deputados e senadores deixaram a medida caducar. Depois de muita negociação, concordou-se em estabelecer uma nova data-limite: 31/12/2020.

Quando o fim se aproximava, já em plena pandemia, novamente os congressistas jogaram o encerramento pra frente: 31/12/2021.

No apagar das luzes de 2021, porém, Jair Bolsonaro sancionou mais uma vez a extensão do benefício, agora para 31 de dezembro do presente exercício de 2023.

Com a decisão de hoje, o Congresso decide prorrogar a vigência dessa benesse aos setores contemplados até 31/12/2027.

O economista Milton Friedman, um dos mais notórios defensores do liberalismo, costumava dizer que “não existe nada mais permanente do que um programa governamental temporário”. A saga da desoneração comprova a tese do professor da Universidade de Chicago.

Segundo os cálculos da Receita Federal, o benefício tributário relacionado à folha de salários custa R$ 9,4 bilhões por ano, quantia elevada para quem pretende zerar o déficit fiscal em 2024.

Se a liberalidade na instituição da desoneração foi um erro reconhecido por Lula e Haddad, estará nas mãos deles agora a decisão de vetar ou não a pauta-bomba aprovada hoje na Câmara.

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