quinta-feira, 31 de agosto de 2023

LULA MIRA NO ATIVISMO DO STF POR BASE BOLSONARISTA

Maria Cristina Fernandes, Valor Econômico

Voto de Zanin se explica por ataque ao ativismo judicial e reconquistas dos evangélicos

 “A gente tem que fazer tudo de bom aqui, sem precisar esperar o paraíso”. A pregação foi feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sua última “live”. Fica difícil entender o voto do ministro Cristiano Zanin na descriminalização do usuário da maconha sem assisti-la.

Os votos de Zanin não convergem apenas com suas convicções, mas também com a estratégia do presidente da República de recuperar um naco do eleitorado perdido para o bolsonarismo.

O foco na recuperação do eleitorado pentecostal das periferias tem começo e meio. Lula não se limita a disputar o discurso dos pastores. Vale-se de seus aliados evangélicos para o mesmo fim.

Basta ver como a relatora da CPMI dos atos golpistas, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), partiu para cima do deputado Marco Feliciano (PL-SP), de quem se disse admiradora no fervor religioso da adolescência, questionando os propósitos de sua fé.

É cedo para dizer que Lula abandonou os conceitos que lhe permitiram formar um ministério (um pouco) mais diverso do que aqueles que de seus dois primeiros mandatos. Mas parece estar movido pela constatação de que não é no identitarismo que recuperará o eleitor perdido para o bolsonarismo.

O roteiro, mais uma vez, estava na “live” semanal, que está longe de mobilizar uma audiência semelhante àquela do ex-presidente, mas se tornou obrigatória para entender a estratégia do atual inquilino do Palácio do Planalto. É de lá, e não da indignação da esquerda, que se pode mapear aonde Lula vai.

O presidente citou a sanção da lei que recria uma política nacional de valorização do salário mínimo e reajusta a tabela do Imposto de Renda e o envio do projeto de lei da taxação das offshores e da medida provisória da taxação dos fundos exclusivos.

Se a turma que puxa o tapete do ministro Fernando Haddad ainda não percebeu, ele e o presidente falam exatamente a mesma coisa. É com a pauta do “rico no IR e pobre no Orçamento” que Lula pretende redirecionar o chamariz da periferia evangélica dos costumes para a renda.

Felipe Nunes, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e diretor da Quaest, cada vez mais ouvido no Palácio do Planalto, não tem dúvidas de que Lula precisa se desviar da pauta dos costumes para não cair na cilada bolsonarista que quase custou sua eleição.

Lula não se imiscui com a CPMI dos atos golpistas, mas são os escândalos lá amplificados que pavimentam a estratégia lulista de mudar o canal. Nunes vê uma avenida aberta para Lula conquistar, pelo bolso, o eleitor de oposição abatido pelas joias, especialmente a mulher evangélica, numa tentativa de devolver o bolsonarismo ao seu núcleo duro e estreito.

É a oportunidade que se apresenta para o presidente dividir o eleitorado do ex e reconquistar aquele eleitor que um dia foi seu. Como se ouve hoje no Planalto, Zanin se insurgiu contra o “beque recreativo” da classe média, mas confortou a mãe da periferia, no medo que, em 2018, pavimentou o bolsonarismo.

Por esta pegada, pode-se até inferir o voto de Zanin no marco temporal das terras indígenas mas não a escolha do próximo ministro do Supremo. A ministra Rosa Weber só deixará o tribunal no dia 28 de setembro. Na escolha de Zanin, muito mais previsível, passaram-se 50 dias desde a saída do antecessor, Ricardo Lewandowski, até a publicação no “Diário Oficial”. Não será mais rápido desta vez.

O que os votos de Zanin neste e noutros temas permitem é antecipar o conflito contratado com a próxima presidência do Supremo Tribunal Federal.

O ministro Luís Roberto Barroso, como se sabe, vê nos poderes contramajoritários da Corte um meio de empurrar a história, especialmente em temas como drogas e aborto, em que o Brasil se mantém atrasado não apenas em relação aos ricos e desenvolvidos, mas na comparação com os vizinhos.

Quanto mais Barroso for bem-sucedido em seu intento, pior para Lula. As cortes superiores foram tão determinantes para a posse do presidente que, para uma fatia importante do bolsonarismo - e além dele - os dois Poderes até se confundem.

Na equiparação da homofobia e transfobia ao crime de injúria racial, vê-se a reprise da linha que marca os votos de Zanin, a devolução ao Congresso do poder de legislar.

Seria ingenuidade imaginar que este será o desejo do Executivo quando a pauta do STF se debruçar, por exemplo, sobre alguma contenda orçamentária com o Congresso, mas naquilo que hoje interessa a Lula, que é a corrosão da base bolsonarista, o mote é intransponível.

A pegada lulista invade, inclusive, a Esplanada. Ao oferecer o ministério do empreendedorismo ao Republicanos, ligado à Igreja Universal, Lula não se limita a preservar o espaço de um aliado, exageradamente contemplado, como o PSB, em Portos e Aeroportos.

O presidente sinaliza que pretende arrematar a conquista da periferia cooptando uma das maiores denominações pentecostais para a tarefa. A julgar pela proposta remuneratória das empresas de aplicativos, equivalente a um terço do que pedem os entregadores, só rezando.

E se, por fim, Lula pretende reduzir a excessiva interferência do Judiciário na vida do país, ainda resta por conhecer sua estratégia para mitigar o desmedido conservadorismo no Legislativo, pista de decolagem do ativismo judicial.

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