quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

DEVAGAR COM O ANDOR

Editorial O Estado de S. Paulo

BC acerta ao pedir serenidade, frustrando apostas numa aceleração da queda dos juros

Para quem ainda especulava sobre uma aceleração do ciclo de redução dos juros iniciado em agosto pelo Banco Central (BC), a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) deve ter sido um tanto frustrante. O documento detalhando a decisão unânime de baixar a taxa básica de juros (Selic) em 0,5 ponto porcentual – pela quarta vez consecutiva – deixou muito claro que os novos cortes continuarão nessa toada gradual.

Ou seja, ao menos para janeiro e março, os cortes previstos terão a mesma intensidade, o que deve reduzir a Selic dos atuais 11,75% ao ano para 10,75% no primeiro trimestre. Não havendo alterações extraordinárias nos cenários traçados pelo BC, somente ao final do primeiro semestre a taxa de juros deverá retornar ao patamar de um dígito, com 9,75%. Esse é o ritmo lento que a direção do BC estabeleceu – também de forma unânime – como necessário para garantir com firmeza o cumprimento das metas inflacionárias. Não à toa, as palavras “cautela”, “serenidade” e “moderação” se repetem ao longo da ata.

Desde que foi iniciado o afrouxamento da política monetária, há quatro meses, parte do mercado financeiro tem apostado sucessivamente em cortes maiores, de 0,75 ponto porcentual, a cada sinal positivo para a economia no cenário externo ou no doméstico, seja o trâmite favorável a reformas estruturais no Congresso, seja o sinal de arrefecimento da política monetária conduzida pelos bancos centrais dos Estados Unidos, do Reino Unido e da União Europeia. A cada sopro de retomada econômica, novas fichas são depositadas em apostas mais ousadas.

Mas a autoridade monetária confirma, a cada decisão, que é sério seu compromisso com o comedimento. E faz sentido, diante de um cenário doméstico muito incerto, no qual a equipe econômica tem de se equilibrar entre a necessidade de uma política austera e o flerte sistemático do governo com medidas que vão na contramão da responsabilidade fiscal. No exterior, as incertezas permanecem grandes, e ainda acentuadas por conflitos geopolíticos como as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio.

Embora descreva o ambiente externo como “menos adverso”, o Copom ainda considera o cenário volátil. Também reconhece um importante progresso desinflacionário no Brasil, mas adverte que “ainda há um caminho longo a percorrer para a ancoragem das expectativas” e para o retorno da inflação à meta. A lentidão da queda de juros segue o mesmo ritmo desse processo e indica que o BC não abandonará sua política monetária contracionista. É uma questão de bom senso.

Quando relaciona a resiliência do consumo das famílias à queda do investimento, situações que vêm sendo constatadas no monitoramento do Produto Interno Bruto (PIB), os diretores do BC antecipam o risco de inflação de demanda no médio prazo. Ao ponderar que os ganhos reais de rendimento constatados recentemente podem ser temporários, explicita a fragilidade do mercado de trabalho. São fatores que sustentam a tese de desancoragem das expectativas de inflação. E como recomenda a sabedoria popular, cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

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