quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

NOVA IDENTIDADE

Filipe Vidon — Rio de Janeiro, O GLOBO

Bolsonarista, pré-candidato e pastor: quem é o assassino de Chico Mendes que assumiu nova identidade no interior do Pará

Após tomar posse presidência do PL em Medicilândia, Darci Alves Pereira teve o afastamento do cargo recomendado por Valdemar Costa Neto

Darci Alves Pereira, réu confesso, condenado em 1990 a 19 anos de prisão pelo assassinato do ambientalista Chico Mendes, assumiu uma nova vida no interior do Pará: sob a identidade de “Pastor Daniel”, Darci busca não se associar com seu público passado criminoso. Ele chegou a assumir o cargo de presidente do Partido Liberal (PL) de Medicilândia, no interior do estado. Após a repercussão negativa, o presidente nacional do partido, Valdemar Costa Neto, recomendou o afastamento dele do comando do diretório.

Ele se apresenta como pré-candidato a vereador na cidade paraense de pouco menos de 30 mil habitantes, pecuarista e agricultor há mais de 30 anos, “esposo, pai, avô, servo de Deus e político”.

No perfil público, predominam as cores verde e amarela. Em diversas publicações, Darci se orgulha de ser do mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro e declara que “tudo o que nós fizermos, devemos colocar Deus em nosso meio”. Ele também aparece vestindo camisas do Brasil em diversas manifestações bolsonaristas no último ano.

Assim como fazia sua família no Acre antes do crime, Darci mantém em Medicilândia uma fazenda produtora de cacau e gado. O mandato dele como presidente do PL de Medicilândia era de um ano e começou em novembro, apesar da cerimônia de posse ter acontecido em janeiro deste ano.

Em uma entrevista ao G1 em 2013, Darly Alves, pai de Darci, afirmou ser vítima de uma injustiça sobre o caso Chico Mendes. "Do que é passado sobre a minha vida, 99% é mentira", disse. "As pessoas me chamam de assassino, mandante. Repórter não sabe de coisa nenhuma, só ouviu falar, e para saber de algum negócio, você tem que ler o processo ou ser testemunha. Chamam minha família de perigosa, acusando as pessoas sem saber", criticou ao relutar em conversar com a imprensa.

Questionado sobre a relação com Darci, o fazendeiro o defendeu e contou que ele deixou o passado para trás. “O Darci é uma pessoa abençoada de Deus e por toda a vida foi uma pessoa direita, nunca brigou com ninguém. Tem uma família muito boa, as filhas dele estão em Brasília estudando Direito. Ele nem fala nisso aí, não dá entrevista, não fala de crime. Para ele isso acabou. Ninguém diz que ele é o homem que falaram que fez aquilo”, comentou.

Relembre o caso

Chico Mendes tinha 44 anos quando foi assassinado com um tiro no peito no quintal de casa, em Xapuri, no Acre. A confissão de Pereira veio dois anos depois do crime, em 1990. Ele e o pai, Darly Alves da Silva, foram condenados a 19 anos de prisão.

O crime ocorrido em um lugarejo encravado nos confins da Amazônia, em região de fronteira agrícola, ganhou imediata repercussão internacional. Chico Mendes, havia anos, defendia que uma reserva extrativista fosse operada de forma não predatória. Tornou-se um incômodo para muitos fazendeiros, que, vindos de várias partes do Brasil para as redondezas de Xapuri, causaram terrível devastação na ecologia amazônica em nome do desenvolvimento econômico.

Chico Mendes foi fundador da primeira reserva extrativista do Brasil, 40 mil hectares de exploração conservacionista, em São Luiz do Remanso, situado a 80 quilômetros de Rio Branco, capital do Acre. No fim dos anos 70, Chico Mendes elegeu-se vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição à ditadura, em Xapuri, e depois filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT), legenda criada em 1980, sendo um dos seus organizadores no Acre.

O julgamento na pequena Xapuri, que atraiu as atenções da imprensa de todo o mundo, foi concluído em 15 de dezembro, dia do aniversário de Chico Mendes, que faria 46 anos. Pai e filho fugiram da prisão em 1993, sendo que Darli foi recapturado em 31 de junho de 1996, em Medicilândia, no Pará, enquanto Darci foi encontrado na casa de um primo pela Polícia Federal, em 25 de novembro, em Guaíra, no Paraná.

Em 1999, Darli saiu do presídio para cumprir o restante da pena em prisão domiciliar, alegando problemas de saúde. Darci, no mesmo ano, ganhou o direito de cumprir o restante da pena em regime semi-aberto.

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