terça-feira, 7 de maio de 2024

O FESTIVAL DE BESTEIRAS E BURRICE QUE ASSOLA O BRASIL

Márcio Chaer, Consultor Jurídico

A imprensa brasileira tem raiva de escolas, cursos, intercâmbios e eventos acadêmicos. É uma neurose. Um grande empresário brasileiro, o publisher Octavio Frias de Oliveira, dirigindo-se a jornalistas da Folha de S.Paulo, desabafou, certa vez: “Eu não entendo uma coisa. Com tanta coisa errada neste país, por que vocês perdem tanto tempo azucrinando escolas e pessoas com conteúdo que tentam compartilhar conhecimentos com seus semelhantes?”

Um evento, o Fórum Brasil de Ideias, promovido em Londres, no final de abril, foi alvo de fuzilamento sumário nas páginas dos jornais O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo. Levantou-se a suspeita de que os ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e as demais autoridades que lá estiveram estariam sendo corrompidas em troca de passagens aéreas e hospedagem.

O interessante é que essa presunção de desonestidade não vigora quando os eventos são promovidos pelas empresas jornalísticas. Tanto no Brasil quanto no exterior, com os mesmos palestrantes e com os mesmíssimos patrocinadores.

No próximo dia 15, por exemplo, o Grupo Globo, com o jornal Valor Econômico à frente, promove em Nova York o Summit Valor Economico Brasil-EUA “com autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário”, proclamava o anúncio do evento. A chamada, contudo, não informava quem seriam os patrocinadores. Posteriormente, os organizadores divulgaram os participantes e quem pagaria pelo evento. Mas raspou-se da lista as “autoridades do Judiciário”.

Folha de S.Paulo e o portal UOL, igualmente, promovem eventos com autoridades públicas — sempre patrocinando passagens e hospedagens — mas sem dizer de onde saiu o dinheiro.

A Philip Morris, Souza Cruz e Odebrecht bancaram vários projetos da Folha. A indústria tabagista patrocinava o programa de iniciação dos novos jornalistas — tanto na Folha quanto no Estadão. Não deixa de ser boa notícia saber que esses jornalões estão dispostos a rever suas práticas. Ou não estão?

O Grupo Globo, há quase vinte anos, promove um evento elogiável: o Prêmio Innovare — que já teve parceria com a Souza Cruz. Evidentemente, os ministros que participam da premiação têm passagens e hospedagem pagas pela organização. Como em Londres. Igual a Nova York.

A cooperação de empresas com o Judiciário — exatamente como ocorre nos EUA — é antiga. Já em 2003, em parceria com a FGV, titularizada por Sidnei Gonzalez e pelo desembargador Elton Leme, com o juiz Flávio Dino (então presidente da Ajufe), a Souza Cruz viabilizou o projeto “Justiça sem papel”, que entrou para a história como o primeiro passo do Judiciário em direção à digitalização.

Medíocres e hipócritas

Veículos de comunicação fazem isso. Promovem eventos patrocinados, aproximam empresários e autoridades e não há nada de errado. Diferentemente do jornalismo, o Judiciário brasileiro se profissionaliza, tem órgãos de supervisão.

Na semana que passou, em Londres, a Consultor Jurídico participou da organização de um Fórum em Londres. Assim como já fizemos em Lisboa, Roma, Berlim e Stresa (Itália) e ainda queremos promover em muitos países. Até na Rússia e China. Motivo de orgulho.

Jornalistas medíocres e hipócritas resolveram lançar suspeitas sobre esse evento, que foi promovido por algumas das empresas que pagam seus salários. Falsos moralistas, demagogos e populistas. A dois jornalistas que tiveram a cara de pau de me perguntar acusatoriamente sobre a honestidade do Fórum, disse-lhes que não lhes devo satisfação alguma, mas que toparia falar de patrocinadores se eles revelassem quem patrocina os seminários (iguais aos de Londres) de suas empresas.

Claro que pode haver fundada suspeita quando houver indícios, provas ou elementos que demonstrem haver coisas erradas. No caso, contrapartidas. Nos anos 90, o empresário Mario Garneiro criou um Instituto de Estudos Jurídicos para promover grandes eventos. Por uma não coincidência todos os juízes, desembargadores e ministros convidados eram, exatamente os julgadores escalados para julgar suas encrencas.

A mesma prudência não se vê hoje. Pelo critério torto de jornalistas de araque, quando os eventos acadêmicos não são promovidos por suas empresas, padecem, inapelavelmente, de presunção de desonestidade. Se um juiz participa de um seminário é porque ele está “comprado”.

Joio e trigo

Não importa se no evento o presidente de Portugal identifica no governo francês o grande obstáculo para que o Brasil exporte seus produtos agrícolas. Nem se, na conferência, constata-se que as big techs devem ser desmembradas por haver conflito de interesses na sua genética.

Se o evento constrói um modelo inteligentíssimo de presidencialismo com ferramentas parlamentaristas ou, como agora, que Tony Blair lance a fórmula de colocar países árabes na mesa de negociação de paz com Israel. Não. O que importa é se os convidados ficaram em hotéis caros ou se no jantar os ministros fumaram charutos. É o Festival de Besteiras que Assola o País…

Supor que patrocínios implicam, automaticamente, favorecimentos ilegítimos, deixa jornais, sites, emissoras e revistas numa situação delicada. Se a suposição vale para empresa de eventos — ou para outros veículos de comunicação — então vale para todos. Esse jornais estão admitindo a presunção de que os patrocínios que recebem se respondem com favorecimentos espúrios. É matéria para CPI, investigação do Ministério Público ou, quem sabe, para o inquérito do Xandão.

A boa nova é que os jornais, empresas privadas, ao considerar criminoso relacionar-se com ministros que julgam seus casos, irão se declarar impedidos de escrever sobre assuntos de seu interesse — como a causa em pauta no STF, que vai decidir sobre a desoneração da folha de salários, tema que aflige essas empresas.

Prova dos nove

Com o advento da internet é fácil conferir se anunciantes e patrocinadores são poupados no noticiário. Isso pode ser objeto de seminário, como o que o Estadão promoveu com o patrocínio da Odebrecht. Ou empresas que passaram a patrocinar camarotes da Globo ou merchandising em novelas. O evento de Londres teve pelo menos um patrocinador do grupo Globo. Pode-se dizer que o dinheiro para um foi limpo e outro, sujo, como supôs a colunista social Malu Gaspar?

Essas fantasias e delírios não se encerram em si próprias. Existe um contexto. Foram essas artimanhas que deram à luz o esquema “lava jato” e que só serviram para enganar desavisados e eleger Jair Bolsonaro. A jogada consistia em desmoralizar e emparedar os ministros do STF que tinham o poder de brecar as práticas jurídicas corruptas da organização criminosa que germinou em Curitiba.

Em vez de pedir desculpas pelo que fizeram ao Brasil, a canalhada que apoiou essa página infeliz da nossa história quer revanche. E a vingança consiste em perverter e desacreditar os ministros do Supremo e do STJ. Como? Simples: Aduzir que ministros são desonestos porque participam de eventos acadêmicos. Claro. Deveria existir um artigo no Código Penal: é crime participar de seminários. Exceto se os seminários forem promovidos pela Folha, Estadão, Globo, UOL e Valor.

Convenhamos. Seo Frias tinha razão. Com tanta coisa errada neste país, como os dramas crônicos de saneamento básico, um Estado deficiente nos seus papéis básicos, criminalidade sem controle, entre outras desgraças, jornalistas desqualificados — que jamais leram um processo ou assistiram a um julgamento — acham que eventos acadêmicos são atos de corrupção.

Márcio Chaer é diretor da revista Consultor Jurídico e assessor de imprensa.

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