sábado, 18 de maio de 2024

SUPREMO CONSERVADORISMO

Oscar Vilhena Vieira, Folha de S.Paulo

Nos EUA, 58% dizem que Suprema Corte não se comporta adequadamente

Há uma percepção de que a Corte se voltou muito à direita, está conservadora

A Suprema Corte norte-americana atingiu em 2023 um dos mais baixos níveis de confiança junto à população desde que a mensuração começou a ser feita, em 1973, pelo instituto Gallup. Enquanto 41% dos entrevistados aprovam o trabalho do tribunal, 58% entendem que a Suprema Corte não tem se conduzido adequadamente.

Há hoje uma percepção de que a Corte se voltou muito à direita, tornando-se "extremamente conservadora". A decisão no caso Dobbs, que transferiu aos estados o poder de regulação sobre o aborto, além de decisões graves no campo ambiental e a não responsabilização das plataformas em relação a discursos de ódio por elas veiculadas, confirmam essa guinada à direita.

A nomeação de juízes com mais compromisso ideológico do que lealdade à Constituição, assim como a própria obstrução realizada pelos republicanos que impediu a nomeação de um magistrado pelo ex-presidente Obama, vem reforçando a visão de um tribunal incapaz de exercer a sua jurisdição com imparcialidade ou ao menos com equilíbrio.

A desconfiança tem crescido, ainda, como consequência do comportamento impróprio de alguns magistrados fora da corte.

Nesta semana, o New York Times trouxe uma imagem de 2021 de uma bandeira dos Estados Unidos hasteada de cabeça para baixo no jardim da casa do juiz da Suprema Corte Samuel Alito, em Alexandria, na Virgínia. A bandeira invertida simboliza, entre outras coisas, a reivindicação de que a eleição de Joe Biden foi fraudada, como pontifica reiteradamente Donald Trump.

O fato é que outros magistrados também têm deixado transparecer suas preferências políticas, sem maiores cerimônias, ainda que pelas manifestações de seus cônjuges.

Mas a questão não é apenas de natureza político-ideológica. Há também um problema de integridade, incompatível com o exercício da magistratura.

Alguns juízes da Suprema Corte, como ficou explícito no caso de Clarence Thomas, têm se deixado seduzir por mimos oferecidos por amigos milionários, a bordo de confortáveis iates, jatos ou mesmo pescarias em lugares exclusivos. A situação é grave, pois esses amigos têm interesses submetidos à jurisdição da corte. No mesmo sentido, há inúmeras insinuações de proximidade indevida entre alguns magistrados e escritórios de advocacia ou de lobby, em Washington.

A reação da Suprema Corte a essa perda de credibilidade tem sido muito tímida. Ainda assim, seu presidente, John Roberts, conseguiu aprovar um novo código de conduta, voltado a balizar o comportamento dos seus membros, de forma que não apenas se conduzam com integridade mas também demonstrem agir em conformidade com as virtudes inerentes ao exercício da magistratura. O desafio agora é impô-lo aos seus pares.

A crise de credibilidade da Suprema Corte norte-americana é particularmente preocupante neste momento em que um dos candidatos a presidente, além de explicitamente hostil às regras do jogo constitucional que o contrariem, incitou insurgência contra o resultado eleitoral que lhe foi adverso, em 6 de janeiro de 2022. Sabemos, por experiência própria, como uma Suprema Corte pode ser fundamental para conter arroubos autoritários.

Embora a confiança em nosso Supremo Tribunal Federal seja aparentemente maior do que aquela depositada na Suprema Corte norte-americana, até como consequência do papel crucial que desempenhou na defesa das regras do jogo democrático, não nos faria mal se o Supremo também decidisse pela adoção de um código de conduta que contribuísse não apenas para proteger a imagem dos seus magistrados mas, sobretudo, a integridade e a autoridade do Supremo Tribunal Federal.

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