Presidente diz estar pronto para tentar a reeleição caso
não haja outro nome para ‘enfrentar a extrema direita’ – mas, claro, não se
esforça para promover a prometida renovação no PT
Em recente entrevista à CNN internacional, na qual foi
convidado a falar sobre 2026, o presidente Lula da Silva se disse pronto para
tentar a reeleição e “enfrentar uma pessoa de extrema direita negacionista”,
caso não haja outro nome da esquerda apto à tarefa.
Com a habitual característica de reunir, numa mesma
declaração, disparates aparentemente contraditórios, o demiurgo afirmou que
espera não ser necessário levar adiante sua candidatura e pregou a
possibilidade de promover uma “grande renovação política no País e no mundo”,
malgrado não ter hesitado em deixar evidente que só ele, hoje, é capaz de
evitar o que considera o mal inconcebível – o triunfo da extrema direita.
O petista ainda incorporou um novo ingrediente à sua fala
pendular entre a falsa modéstia e a real imodéstia: um candidato mais jovem não
vai “resolver os problemas”, disse ele, que terá 81 anos em 2026 e encerrará um
eventual quarto mandato com nada modestos 85 anos. Se problemas existem, eles
estão escancarados na entrevista de Lula. Não se lhe questiona a liberdade de
decidir o que deseja fazer daqui a dois anos para enfrentar o que quer que
seja. Mas, com sua declaração, ele afronta a inteligência alheia.
Em primeiro lugar, na cosmologia da política, afirmar que
não pensa em se reeleger é o maior sinal de que já opera em modo reeleição.
Segundo, até os mais inexperientes auxiliares que dão expediente no Palácio do
Planalto sabem que Lula não pensa em outra coisa senão no próprio poder – dele
e do PT, necessariamente nesta ordem – e que nunca fez um real esforço para
promover a “grande renovação política” que anuncia.
Sem vida partidária pregressa, Dilma Rousseff nunca passou
de uma criação sua, sacada em 2010 sob conveniência para que Lula retornasse ao
Palácio do Planalto quatro anos depois. Não conseguiu, porque Dilma não quis
deixar a cadeira ao fim do primeiro mandato. Em 2018, preso pela Lava Jato,
Lula recorreu a outro herdeiro, o hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Atualmente, ninguém no PT é capaz de apostar uma viagem a Cuba para cravar um
sucessor natural do presidente. Para Lula, renovação só é digna do nome quando
surge umbilicalmente ligada ao líder supremo.
Fato é que Lula não somente já pensa na reeleição, como
trabalha diariamente mirando a próxima disputa presidencial. Não são poucos os
analistas que avaliam que ele só sairá do páreo se seu governo estiver nas
cordas. Como escreveu a repórter Vera Rosa, neste jornal, o “modo disputa 2026″
incluirá campanha publicitária, viagens de ministros para entregar obras e
ações de enfrentamento à oposição nas redes sociais.
E é na oposição que está o terceiro problema exposto na
entrevista. Lula “admite” o esforço de reeleger-se, ora vejam, para salvar o
Brasil e os brasileiros da “extrema direita negacionista”. É como se o
extremismo, que no Brasil atende pelo reacionarismo do bolsonarismo dito
“raiz”, representasse a única força eleitoralmente viável da oposição.
Não mais representa, como se viu no equilíbrio político e
partidário deixado pelas últimas eleições municipais. Embora sejam disputas de
natureza distinta, ficou evidente uma inclinação do eleitorado por partidos e
lideranças de centro-direita em detrimento de radicais, que correm o risco de
ser substituídos ou ver reduzida sua musculatura eleitoral.
O espólio de Jair Bolsonaro, sublinhe-se, já é disputado a
tapa, e é por isso que o ex-presidente tem tentado dar prova de vida quase
diariamente. Mas Lula deixa evidente que é o bolsonarismo o alimento que lhe
garantirá sobrevida eleitoral em 2026, razão pela qual recorre ao suposto mal
eterno, representado pelo extremismo de direita, para justificar sua reeleição.
Eis a contradição explícita: Lula diz que não pensa em se
reeleger e que só o fará se não houver outro nome capaz de enfrentar a extrema
direita e, como pouco se move para encontrar tal nome, fica definido desde já
que será ele o provável candidato de si mesmo. Uma alquimia retórica que revela
Lula em estado bruto.
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