sábado, 23 de novembro de 2024

A BANALIDADE DA MORTE EM SP

Editorial O Estado de S.Paulo

Mata-se com muita facilidade em São Paulo. Noticia-se com frequência macabra o assassinato de cidadãos durante assaltos, muitas vezes sem que as vítimas tenham esboçado qualquer reação. Mas de bandidos, afinal, não se deve esperar contenção nem respeito a padrões civilizatórios. Já de policiais, em tese treinados para o uso controlado e proporcional da violência, espera-se que só efetuem disparos letais em último caso. Afinal, o trabalho policial não é matar, e sim impedir crimes e prender suspeitos. Porém, como se viu no trágico caso do assassinato de um estudante de Medicina após uma abordagem policial na zonal sul da capital paulista dias atrás, há policiais evidentemente despreparados para vestir a farda. Se houver mais policiais militares (PMs) como o soldado Guilherme Macedo nas ruas, que Deus nos proteja.

O caso ainda está em investigação. Mas, do que se sabe até aqui, o estudante Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, provocou a fúria dos policiais que o abordaram ao dar um tapa no espelho retrovisor da viatura em que estavam, como mostram as imagens de uma câmera na rua. Aliás, até a tarde de ontem, dois dias depois do crime, não haviam aparecido imagens das câmeras dos uniformes dos policiais – se é que existem. Tudo o que se viu desse episódio que terminou em morte foi documentado por câmeras particulares de segurança, em fragmentos de imagens que não permitem conhecer o desenrolar dos fatos em sua íntegra.

Nas cenas disponíveis, o jovem, desarmado, sem camisa e aparentemente atordoado, corre dos policiais, reage à abordagem e, quando já estava no chão, sem qualquer chance de matar os PMs, é alvejado por um deles no abdômen. Simples assim.

Em entrevista ao Estadão, antes mesmo de enterrar o filho, a médica Mônica Cardenas Prado, de 57 anos, lançou a pergunta óbvia: “A Polícia Militar de São Paulo está matando por um retrovisor?”.

É o que parece. Tudo o que se viu naquela sequência terrível de imagens revela o descumprimento de protocolos e regras de abordagem pelo soldado da PM paulista, supostamente uma das mais bem treinadas e equipadas do País.

Por óbvio, matar alguém deveria ser o último recurso ao qual um agente do Estado deveria recorrer. Mas o PM, agora afastado de suas funções e indiciado por homicídio doloso, ignorou o uso progressivo da força. Não recorreu a armas não letais, como taser e cassetete, nem aplicou um golpe capaz de imobilizar o estudante.

O governador Tarcísio de Freitas, que costuma justificar a violência da polícia que comanda, demorou 40 horas para condenar a ação dos policiais, dizendo que “essa não é a conduta que a polícia do Estado de São Paulo deve ter com nenhum cidadão, sob nenhuma circunstância”. De acordo com Tarcísio, “abusos nunca vão ser tolerados e serão severamente punidos”.

É o mínimo, mas o governador precisa assegurar que seja um caso isolado. Sabe-se que Tarcísio e seu secretário de Segurança, Guilherme Derrite, são entusiastas de uma polícia que desperta medo. Mas, quando são os cidadãos inocentes que devem temer a polícia, é sinal de que a coisa não vai bem.

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