Mata-se com muita facilidade em São Paulo. Noticia-se com
frequência macabra o assassinato de cidadãos durante assaltos, muitas vezes sem
que as vítimas tenham esboçado qualquer reação. Mas de bandidos, afinal, não se
deve esperar contenção nem respeito a padrões civilizatórios. Já de policiais,
em tese treinados para o uso controlado e proporcional da violência, espera-se
que só efetuem disparos letais em último caso. Afinal, o trabalho policial não
é matar, e sim impedir crimes e prender suspeitos. Porém, como se viu no
trágico caso do assassinato de um estudante de Medicina após uma abordagem
policial na zonal sul da capital paulista dias atrás, há policiais
evidentemente despreparados para vestir a farda. Se houver mais policiais
militares (PMs) como o soldado Guilherme Macedo nas ruas, que Deus nos proteja.
O caso ainda está em investigação. Mas, do que se sabe até
aqui, o estudante Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, provocou a fúria
dos policiais que o abordaram ao dar um tapa no espelho retrovisor da viatura
em que estavam, como mostram as imagens de uma câmera na rua. Aliás, até a
tarde de ontem, dois dias depois do crime, não haviam aparecido imagens das
câmeras dos uniformes dos policiais – se é que existem. Tudo o que se viu desse
episódio que terminou em morte foi documentado por câmeras particulares de
segurança, em fragmentos de imagens que não permitem conhecer o desenrolar dos
fatos em sua íntegra.
Nas cenas disponíveis, o jovem, desarmado, sem camisa e
aparentemente atordoado, corre dos policiais, reage à abordagem e, quando já
estava no chão, sem qualquer chance de matar os PMs, é alvejado por um deles no
abdômen. Simples assim.
Em entrevista ao Estadão, antes mesmo de
enterrar o filho, a médica Mônica Cardenas Prado, de 57 anos, lançou a pergunta
óbvia: “A Polícia Militar de São Paulo está matando por um retrovisor?”.
É o que parece. Tudo o que se viu naquela sequência terrível
de imagens revela o descumprimento de protocolos e regras de abordagem pelo
soldado da PM paulista, supostamente uma das mais bem treinadas e equipadas do
País.
Por óbvio, matar alguém deveria ser o último recurso ao qual
um agente do Estado deveria recorrer. Mas o PM, agora afastado de suas funções
e indiciado por homicídio doloso, ignorou o uso progressivo da força. Não
recorreu a armas não letais, como taser e cassetete, nem aplicou um golpe capaz
de imobilizar o estudante.
O governador Tarcísio de Freitas, que costuma justificar a
violência da polícia que comanda, demorou 40 horas para condenar a ação dos
policiais, dizendo que “essa não é a conduta que a polícia do Estado de São
Paulo deve ter com nenhum cidadão, sob nenhuma circunstância”. De acordo com
Tarcísio, “abusos nunca vão ser tolerados e serão severamente punidos”.
É o mínimo, mas o governador precisa assegurar que seja um
caso isolado. Sabe-se que Tarcísio e seu secretário de Segurança, Guilherme
Derrite, são entusiastas de uma polícia que desperta medo. Mas, quando são os
cidadãos inocentes que devem temer a polícia, é sinal de que a coisa não vai
bem.
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