Os políticos que se mantiverem ao lado de Bolsonaro serão
cúmplices de seus atos
A fronteira entre a direita democrática e o radicalismo
bolsonarista já está traçada há muito tempo, mas até a revelação dos fatos
recentes, que culminaram com a descoberta da insurreição programada
meticulosamente por militares, era mais fácil fingir não ter nada a ver com a
violência, e continuar a apoiar Bolsonaro. Como se o ex-presidente encarnasse
apenas a face liberal do seu projeto político, e estivesse alheio aos golpistas
que o rodeavam. Se formos ver a origem dessa influência militar no governo Bolsonaro,
basta lembrar que eles se reuniam em uma espécie de bunker em Brasília, onde a
presença de civis era rara. A interpretação otimista era que os militares
estariam no governo para conter Bolsonaro, mas aconteceu exatamente o
contrário. Eram militares experimentados, a maioria comandara as forças
brasileiras no Haiti, vistos como democratas. Bolsonaro, no entanto, botou no
bolso generais, almirantes, brigadeiros, numa subversão da hierarquia militar.
Não era o presidente civil que se impunha aos militares, mas
um capitão de pouca instrução e história militar medíocre que usava a
hierarquia militar para controlá-los, pois era o Comandante-em-Chefe das Forças
Armadas. Além das benesses do poder, que alimentam o corpo e a alma.
Com os detalhes revelados ao longo dos
últimos anos, fica impossível não ligar Bolsonaro ao golpe planejado e tentado
em várias ocasiões, antes, durante e depois de seu governo. A linha que separa
os democratas dos golpistas está claramente desmarcada pelos fatos, e os
políticos que se mantiverem ao lado de Bolsonaro serão cúmplices de seus atos.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, foi o primeiro a ser testado
nessa nova situação, e, para os democratas verdadeiros, não passou. O
presidente do PSD, Gilberto Kassab, que tem um pé em cada canoa, com ministros
de Lula e apoio a Tarcísio, tentou uma solução salomônica: disse que torce para
que Lula se reeleja, e que Tarcísio continue no governo de São Paulo em 2026.
Os bolsonaristas revoltaram-se, e pressionaram o governador
de São Paulo a se posicionar a favor de Bolsonaro, o que ele fez, preocupado
com a perda de apoio da base do movimento. Não se preocupou, no entanto, com
seu futuro político a longo prazo, preferindo isolar-se em um nicho radical do
que manter a postura de líder de uma direita democrática. Não foi a primeira
vez que Tarcísio de Freitas deu demonstrações públicas de lealdade às piores
posições de seu chefe.
Assim como Lula só se elegeu, ou se reelegerá, se contar com
o apoio do centro democrático, também o candidato bolsonarista só terá chance
de vencer em 2026 se tiver o apoio do eleitor de centro que votou nele para
derrotar Lula. O caminho pode se abrir para um candidato que trilhe o centro,
porque agora provavelmente aumentou o número de votantes que não repetirá o
mesmo erro, votando em Bolsonaro, que se mostrou tão radical quanto os
bolsonaristas acusam de radicalismo o PT. E nem votarão em Lula novamente para
derrotar Bolsonaro.
A inelegibilidade de Bolsonaro só foi reconfirmada com as
recentes investigações, e não é difícil prever que ele estará na cadeia quando
a eleição de 2026 acontecer. O que poderia ser um alívio para a direita, que
não estaria comprometida com o radicalismo bolsonarista, pode ser a pá de cal
na moderação se os que se consideram em condições de representar esse grupo
político se virem tentados a repetir a agressividade do grande líder. Os
governadores de Goiás, Ronaldo Caiado, e de Minas Gerais, Romeu Zema, candidatos
à vaga, se mantém em silêncio, mostrando que estão entendendo mais o momento
político do que Tarcísio de Freitas.
A saída de Bolsonaro da disputa presidencial permitirá que
Lula tente a reeleição repetindo a pretensa união nacional a favor da
democracia. Os fatos, até o momento, enfraquecem esse discurso, que, no
entanto, se fortalece com a radicalização de Bolsonaro. Se nenhum dos dois
grandes líderes populistas se apresentarem em 2026, por razões distintas,
teremos provavelmente a repetição da primeira eleição presidencial direta de
1989: dezenas de candidatos aparecerão na cédula eleitoral. Se Lula concorrer,
o candidato da direita que não representar a radicalização terá boas chances.
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