Um golpe dentro do outro
Pouco meses antes de ser condenado pelo então juiz Sérgio
Moro, Lula foi aconselhado por amigos a pedir asilo a algum país, alegando ser
um perseguido político. Ele negou-se a fazê-lo.
Na ocasião, argumentou mais de uma vez: se pedisse asilo,
quem acreditaria na sua inocência? O pedido seria lido pela maioria dos
brasileiros como uma admissão de culpa.
No dia 7 de abril de 2018 quando foi preso para cumprir uma
pena de 12 anos e 1 mês de reclusão, Lula disse aos que o ouviram discursar em
São Bernardo do Campo antes de se entregar:
– Morro preferindo a dignidade à liberdade.
Enquanto esteve preso, foi condenado pela segunda vez a 12
anos e 11 meses e seguiu jurando ser inocente. Foi solto depois de 580 dias
porque o Supremo Tribunal Federal anulou suas condenações.
Além de considerá-las irregulares, o Supremo concluiu que
Moro comportou-se na condução dos processos como um juiz “parcial”, fazendo o
jogo dos procuradores que acusaram Lula.
A Bolsonaro, só a liberdade interessa, às favas com a
dignidade e com o que os brasileiros possam vir a pensar sobre sua culpa na
tentativa violenta de abolir a democracia via um golpe de Estado.
Nada de estranho, portanto, se logo ou mais adiante,
Bolsonaro dê entrada em alguma embaixada em Brasília à procura de asilo. Ou
nada de estranho que fuja de jatinho para algum país amigo dele.
Quantas cabeças ao seu redor Bolsonaro não decepou durante
seu desgoverno para livrar-se de culpas que poderiam pesar sobre a sua? Nada de
estranho, portanto, que proceda assim mais uma vez.
É o que já se começa a ver. O advogado Paulo Amador Bueno,
que o representa, afirmou ontem que é “crível” que Bolsonaro tenha sido
abordado por aliados com propostas de golpe de Estado:
– É crível que as pessoas o abordassem com todo tipo de
proposta. E é fato que ele não aderiu a elas.
O relatório de mais de 800 páginas da Polícia Federal diz
que Bolsonaro atuou diretamente na ofensiva antidemocrática. Ele foi indiciado
ao lado de 36 pessoas por tentativa de golpe.
Perguntado se os Comandantes do Exército e da Aeronáutica
mentiram ao dizer que Bolsonaro lhes apresentou uma minuta do golpe, Amador
Bueno respondeu:
– Eles conversaram, assim como os ministros, diversas vezes
com o presidente, mas nunca foi tratado de algum movimento golpista. […] Teriam
discutido sobre a aplicação do Estado de Defesa.
Estado de defesa é uma situação de emergência na qual o
Presidente conta com poderes especiais para suspender algumas garantias
individuais asseguradas pela Constituição.
O advogado afirmou que Bolsonaro desconhecia os planos
golpistas que previam a morte de Lula, do vice, Geraldo Alckmin e do ministro
Alexandre de Moraes. E acrescentou:
– O presidente acha uma maluquice esse plano. Jamais
participaria de uma coisa desse tipo.
Um dos documentos apreendidos pela Polícia Federal previa a
criação de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise” que seria comandado
pelos generais Augusto Heleno e Braga Netto.
Amador Bueno agarrou-se ao documento para proclamar:
– Quem seria beneficiado seria uma Junta que seria criada
após a ação, Operação Punho Verde Amarelo. E nessa Junta não estava incluído o
presidente Bolsonaro.
Quis sugerir o quê? Que mortos Lula, Alckmin e Moraes, a
Junta não convocaria nova eleição, como estava previsto no documento, para que
Bolsonaro a disputasse? Um golpe dentro do golpe?
A notícia mais importante não é o que disse o advogado, mas
o que Bolsonaro autorizou que ele dissesse. Porque Amador Bueno não diria uma
coisa dessas sem discuti-la previamente com Bolsonaro.
Caso essa seja a linha de defesa de Bolsonaro quando for
denunciado pelo Procurador-Geral da República, significa que o ex-presidente
culpará os militares pelo golpe que fracassou.
Por que o espanto? Bolsonaro é covarde, sempre foi, e não
deixará de ser agora. O que só servirá para que implicados no golpe acabem
contando o que ainda não contaram a respeito dele.
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