Comissão da Câmara aprova PEC que na prática liquida um
direito em vigor há 80 anos
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou
uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para inviabilizar o aborto legal no
Brasil, um direito garantido às mulheres desde 1940. Apresentada em 2012 pelo
então deputado Eduardo Cunha, hoje cassado, a iniciativa recebeu agora a
chancela de 35 integrantes do colegiado mais importante da Casa. Apenas 15
parlamentares se posicionaram contra o texto.
A mudança sugerida por Cunha e apoiada pela relatora da PEC,
a deputada bolsonarista Chris Tonietto (PL-RJ), pode parecer sutil. Mas a
ideia, que consiste em incluir no trecho do artigo 5.º da Constituição que
trata da “inviolabilidade do direito à vida” a expressão “desde a concepção”
tem efeito substancial.
Na prática, o que se pretende é impedir o aborto em caso de
estupro, risco de morte da mulher ou de gestação de anencéfalos, que foi
autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As duas primeiras hipóteses de
interrupção de gravidez constam do Código Penal há mais de oito décadas. E a
última foi liberada pela Corte Constitucional justamente no ano em que Cunha
apresentou a PEC na Câmara.
Vê-se o intuito de demolir dois marcos civilizatórios. Mas
há outros riscos. A iniciativa pode, por exemplo, dificultar a
fertilização in vitro no País, haja vista que embriões são
descartados nesse processo — em 2023, foram 110 mil, que, numa interpretação
rígida do texto proposto, seriam todos considerados vítimas de homicídio. Além
disso, a PEC põe em risco pesquisas com células-tronco, fundamentais para o
avanço da ciência e da saúde.
Para tantos retrocessos, nem esforço argumentativo houve. Na
apresentação da PEC, Cunha limitou-se a dizer que “a discussão acerca da
inviolabilidade do direito à vida não pode excluir o momento do início da
vida”. E sentenciou que “a vida não se inicia com o nascimento, e sim com a
concepção”, ainda que essa questão esteja longe de ser pacífica na sociedade
brasileira.
Embora haja mais perguntas filosóficas, científicas e
jurídicas do que respostas sobre quando começa a vida, os deputados parecem
cheios de certeza. Do contrário, Eli Borges (PL-TO), que já presidiu a Frente
Parlamentar Evangélica, não a exporia de forma tão cristalina. Segundo ele,
“dizem que não podemos trazer questões religiosas porque o Estado brasileiro é
laico”, o que é um fato, “mas somos religiosos, sim, e a imensa maioria da
população é conservadora”.
Há tempos a bancada bolsonarista tenta fazer avançar
projetos com vista a acabar com as exceções que hoje permitem o aborto. Em
junho, o plenário da Câmara aprovou a urgência de um projeto de lei para
igualar o aborto acima de 22 semanas ao crime de homicídio. Com isso, o texto
poderia ir direto a plenário, mas, diante da reação negativa da sociedade, a
matéria foi para uma comissão, onde dormita. Espera-se que a PEC de Eduardo
Cunha tenha destino semelhante, em nome da dignidade humana.
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