Para Mangabeira Unger, reduzir a carga horária, mesmo que
sem reduzir o salário, não vai ajudar a melhorar a vida do trabalhador, muito
menos aumentar a produtividade do brasileiro
O debate sobre a carga de trabalho no Brasil surgiu ao mesmo
tempo em que o impacto da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos animou a
direita brasileira e internacional. Pode não ter sido intencional, mas a
deputada do PSOL que propôs a medida demonstra mais uma vez que a esquerda
pensa mais em medidas compensatórias para amenizar o cotidiano dos menos
favorecidos do que em estímulos para que esses mesmos tenham perspectivas de um
futuro melhor.
Reduzir a carga horária, mesmo que sem reduzir o salário,
não vai ajudar a melhorar a vida do trabalhador, muito menos aumentar a
produtividade do brasileiro. Essa é uma nova iniciativa do que o ex-ministro
Mangabeira Unger, professor emérito de Harvard, chama de “pobrismo”, como as
políticas sociais da Bolsa Família, uma das facetas da vida econômica
brasileira, em contraposição ao “rentismo financeiro”.
Ele diz que tanto no Brasil quanto nos
Estados Unidos, mesmo com a vitória de Trump, a direita “autoritária e
populista”, nem sequer ensaiou formular ou executar a agenda de um “capitalismo
popular”, direcionado a uma pequena burguesia. A oferta dessa direita seria
mais do campo do imaginário do que do ponto de vista da economia real. “Esse é
um fracasso geral da direita, que deveria ter esse projeto, o capitalismo do
pequeno burguês, para que essa minoria não fosse restrita e condenada a esse
instrumento arcaico da propriedade isolada, mas que tivesse um cardápio de
opções produtivistas”.
Na maioria dos países populosos do mundo, inclusive o
Brasil, as pessoas pobres são desorganizadas, diz ele. Mas seu horizonte de
anseio, em vez de ser proletário, hoje é pequeno burguês. A maioria da
humanidade quer ter uma pequena fazenda, um comércio, uma lojinha, um serviço
técnico pelo qual possa cobrar, e por falta de outras maneiras de efetivar esse
sonho pequeno burguês, descamba para a forma arcaica da propriedade familiar
isolada e retrógrada, com produtividade muito baixa, que não oferece uma solução
estável de fato para esses pobres, muito menos para o país, não cria uma
dinâmica de produtividade.
A tarefa dos progressistas seria oferecer a essa pequena
burguesia aspiracional uma alternativa, reafirma Mangabeira. Há esse novo
Brasil, dos emergentes, dos evangélicos, e ele não tem um instrumento econômico
adequado, e a espiritualidade dele é inspirada no exemplo do protestantismo
americano do século XIX. “É um protestantismo hiperindividualista que
facilmente descamba para a teologia da prosperidade”.
Compartilho a visão de que há uma rebelião da massa
trabalhadora contra as elites, diz Mangabeira. De alguma forma a hegemonia
conservadora nos Estados Unidos ocorreu porque o Partido Democrata não inventou
o sucedâneo do projeto de Franklin Roosevelt, o New Deal (conjunto de medidas
econômicas e sociais implementadas para superar a crise da economia de 1929)
que continua em aberto, não há um próximo passo.
Nos Estados Unidos, porém, ressalta Mangabeira, aparece a
desigualdade, mas não o empobrecimento em massa, ao contrário do Brasil. Aqui,
temos de um lado o rentismo financeiro, de outro o pobrismo, que distribui
migalhas. A renda e a riqueza dos EUA cresceram agressivamente, a atitude da
maioria trabalhadora branca fala para os progressistas: “vocês não fazem nada
para nós do que importa, que é a nossa situação prática no cotidiano. Pelo
menos não vamos permitir que vocês ataquem a nossa religião”. “Daí a rejeição
radical a essa agenda woke, que, a pretexto de defender as minorias, oprime as
maiorias”, analisa Mangabeira.
A identificação dos jovens brancos com Donald Trump é um
segundo aspecto muito evidente, lembra Mangabeira. Essa situação não acontece
só nos EUA, no mundo todo, há um entendimento de que a força é o que importa na
política. A agenda dos progressistas degenera para uma série de concessões para
os grupos minoritários, e a política identitária da minoria se contrapõe à
maioria, que é essa maioria trabalhadora. Esses pobres se sentem abandonados,
sentimento de perda de poder, de autonomia, é a base de um ressentimento
poderosíssimo.
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