Hoje é o dia da eleição presidencial estadunidense. Como tem
sido amplamente noticiado, a disputa entre a democrata Kamala Harris e o
republicano Donald Trump está bastante acirrada. Difícil cravar um prognóstico.
Como se sabe, o resultado das urnas poderá ocasionar mudanças expressivas na
condução da política econômica da maior potência do planeta. Embora não se
saiba ao certo como a economia brasileira será afetada em cada um dos dois
cenários, a simples incerteza já é motivo suficiente para gerar forte apreensão
dos analistas econômicos.
Diante de um evento internacional com consequências tão
imprevisíveis, o que nos resta é fazer o nosso dever de casa com afinco. Nessa
toada, há um número grande de políticas públicas que devem ser constantemente
reavaliadas e outras que devem ser gestadas. Na busca pelo caminho a ser
perseguido, algumas estatísticas devem ser estudadas com atenção redobrada.
Esse é o caso das Projeções da População do Brasil e Unidades da Federação
(Revisão 2024), divulgada em 22 de agosto pelo IBGE, nas quais são apontadas
mudanças significativas na evolução da demografia brasileira. Como se verá
adiante, esse novo mapa traz surpresas que deveriam suscitar ajustes nos rumos
das políticas públicas. Na verdade, as surpresas aqui entendidas são fruto do
confronto entre as projeções realizadas em 2018 (Revisão 2018) e a Revisão
2024. Afinal, as políticas públicas aprovadas após 2018 tomavam como base a
evolução da demografia brasileira apontada na Revisão 2018. Com a divulgação da
Revisão 2024, e a consequente atualização das projeções, ajustes de rota se
mostram necessários.
Nesta coluna, concentrarei a análise em
dois aspectos específicos: a migração, por ser um tema central na eleição
estadunidense, e a participação relativa da população na faixa entre 18 e 64
anos, isto é, daquelas pessoas que estão em idade laboral.
Vamos às evidências. Ao longo dos últimos anos, ouvi muitos
relatos sobre a saída de brasileiros que foram morar em outros países. No
entanto, ao verificar as projeções contidas na Revisão 2018, o saldo migratório
era praticamente nulo, isto é, não se projetava nenhuma mudança no fluxo
líquido de pessoas entre o Brasil e o exterior. Na verdade, não fiquei
espantado, pois frequentemente as estatísticas falseiam a minha intuição.
Contudo, as projeções trazidas na Revisão 2024 vieram para mudar o entendimento.
Com base nos estudos meticulosos de meu colega Francisco Pessoa Faria, houve
uma saída líquida de cerca de 2,3 milhões de pessoas do Brasil para viver no
exterior entre 2010 e 2022. Assim, mais de 1% da população brasileira emigrou
liquidamente. Sem dúvida é um percentual bastante expressivo da população.
Sob a ótica econômica, dois aspectos agravam o quadro de
êxodo populacional. Primeiramente, há razões para acreditar que essa onda
emigratória esteja concentrada na população em idade de trabalhar. Tendo em
vista as agruras que um imigrante enfrenta em seu novo país, é bem provável que
o perfil dos brasileiros que decidiram viver fora seja mais empreendedor do que
a média da força de trabalho nacional. Em segundo lugar, o ímpeto que leva os
brasileiros a viver no exterior parece ainda não ter terminado. Sendo assim, o
que esperar à frente? Naturalmente, tudo dependerá das perspectivas existentes
aqui e no exterior.
Do lado brasileiro, as poucas oportunidades de trabalho
recompensadores e a percepção de precárias condições dos serviços de segurança
pública são fatores notórios de indução à emigração de brasileiros. Já, do lado
de lá das fronteiras, nas nações mais desenvolvidas, a xenofobia só faz
crescer, a ponto de a política anti-imigração ter um grande protagonismo nos
programas de governo tanto de Kamala Harris como de Donald Trump.
Portanto, frente a um panorama no qual cresce a animosidade
contra imigrantes nos países desenvolvidos - e, mesmo assim, ainda havendo
outros tantos brasileiros pensando em partir -, é bem possível que, caso se
consiga melhorar tanto as condições para o empreendedorismo no mercado local
quanto a sensação de segurança, os brasileiros não se sintam tão atraídos para
morar no exterior e parte do estoque de expatriados retorne.
Outro tópico importante é o período no qual a população de
18 a 64 anos cresce mais que a população como um todo, também conhecido por
bônus demográfico - o que representa um impulso ao crescimento econômico, tanto
em termos de oferta de mão de obra como, também, na taxa de poupança agregada e
nos investimentos produtivos. O bônus demográfico brasileiro já se exauriu,
como apontado na Revisão de 2018 e ratificado na Revisão 2024. No entanto, como
aponta meu colega Bráulio Borges, ao bônus se segue o “ônus demográfico”,
quando o crescimento maior da população fora da idade de trabalhar do que
daquela na idade de trabalhar freia a expansão do PIB. Uma novidade positiva
das novas projeções demográficas do IBGE, prossegue Borges, é que o “ônus
demográfico” evolui de forma mais lenta, já que o IBGE projeta um crescimento
da população idosa um pouco menor do que o antes previsto.
Em função de o “ônus demográfico” chegar mais devagar, o
país ganhou tempo para educar melhor seus jovens para enfrentar o aparente
inevitável envelhecimento da população. Com a melhora efetiva da educação, é
mais viável admitir vida laboral após os 65 anos de idade. Mas para isso é
urgente aprimorarmos a qualidade de nossa educação, que, como temos visto nos
testes de avaliação nacionais e internacionais, não tem dado grandes mostras de
estar melhorando.
Em suma, além da já tantas vezes apontada importância do
empreendedorismo e da segurança pública para o crescimento da economia e da
melhora do bem-estar da população, eles aparecem novamente como áreas a serem
revistas com muita atenção também como oportunidade para repatriar brasileiros.
E, por fim, a educação, sempre ela, retorna como um tema inescapável quando
pensamos em soluções para a equação de longo prazo para a nação brasileira.
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