Pleito municipal serve para entender engrenagens da
política, não para prever eleição presidencial
Nas eleições municipais de 2024, o “sistema” venceu. O
Centrão, montado em bilhões de reais em emendas parlamentares, elegeu mais de
3.500 prefeitos pelo País, com a maior taxa de reeleição da história do Brasil
(82%).
Políticos experientes, empolgados com o enorme sucesso, têm
afirmado que esse resultado demonstra a viabilidade de um projeto nacional de
perfil moderado, centrista, sem a polarização dos últimos anos. Trata-se de um
grave erro de avaliação, parecido com o que foi cometido em 2020. Na época,
prefeitos moderados venceram em grandes capitais, e o mesmo diagnóstico foi
feito. Dois anos depois, não havia oxigênio para nenhum candidato além de
Bolsonaro e Lula.
É um erro achar que o eleitor vai preferir
candidatos moderados daqui em diante, porque as campanhas se dão em torno de
temas diferentes. Nas eleições municipais, predominam temas locais, com menor
peso para a agenda nacional. Em 2026, temas como benefícios sociais, taxação de
milionários, liberdade de expressão e ativismo judicial serão mais relevantes
para a campanha, com maior influência da polarização nacional.
Na verdade, as eleições municipais importam muito mais para
entender as engrenagens da política brasileira do que para prever o vencedor da
eleição presidencial de 2026. Segundo uma análise da Eurasia Group, a votação
em prefeitos e vereadores de um determinado partido tem conexão direta com o
desempenho eleitoral dos candidatos a deputado em suas respectivas zonas
eleitorais. Nesse sentido, ainda que candidatos com retórica antissistema (Jair
Bolsonaro, Pablo Marçal e outros inspirados por eles) tenham apelo eleitoral em
2026, fica claro que qualquer presidente ou governador eleito no próximo ciclo
terá de governar com uma coalizão tradicional, sustentada pelos grandes
partidos de centro – que são mais bem descritos, na verdade, como partidos
clientelistas.
Ou seja, os mesmos partidos que elegeram milhares de
prefeitos em 2024 estarão em ótima posição para eleger deputados federais em
2026, formando o pilar de qualquer coalizão de governo até o fim da década,
pelo menos.
Essa é uma diferença fundamental entre o sistema político
brasileiro e os de outros países. Nos Estados Unidos, com um sistema
bipartidário, o movimento MAGA (Make America Great Again) capturou o Partido
Republicano e, com isso, tem não apenas a chance de reconduzir Donald Trump à
Casa Branca, mas também de liderar as duas Casas do Congresso e dezenas de
Estados. No Brasil, porém, os partidos tradicionais continuam controlando as
portas de entrada para o sistema, recrutando os candidatos e administrando os recursos
de campanha.
Se Bolsonaro tivesse fundado um partido, a sua política
radical talvez tivesse mais capilaridade. Mas isso não ocorreu, e parece
improvável que aconteça nos próximos anos, justamente quando o Brasil, pelas
regras adotadas em 2017, caminha para uma lenta diminuição de partidos. Por
isso, quem quer que seja eleito, à direita ou à esquerda, terá de negociar com
o Centrão por um bom tempo.
*Mestre em ciência política pela UNB e diretor da
consultoria Eurasia Group
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