Escala 6x1 evita que pauta seja dominada pelos cortes
Proposta do Psol tem pouca viabilidade, mas evita que a
pauta do campo progressista seja dominada pela repercussão negativa dos cortes
Depois de perder a única prefeitura que comandava, Belém
(PA), onde o prefeito e candidato à reeleição, Edmilson Rodrigues, não chegou a
10% dos votos, ver sua bancada de vereadores se reduzir para aquém de partidos
como o PRTB, e registrar, em São Paulo, o mesmo percentual de votos a despeito
de ter gasto 16 vezes mais, o Psol resolveu bombar a proposta que acaba com a
semana de seis dias trabalhados por um de folga.
Para sair das cordas, funcionou. A proposta do Psol é a
única do campo progressista a pautar o debate público. Enfrentou ainda o
estigma de um partido dominado pela pauta identitária ao projetar a deputada
trans Erika Hilton (SP), líder do Psol, como autora da PEC. Apresentada em
maio, a proposta é uma variação da pauta do movimento “Pela vida além do
trabalho”, ambos em torno da redução da jornada de trabalho de 44 horas,
lançado na mesma época pelo ex-balconista Rick Azevedo, que acabaria se
tornando não apenas o vereador mais votado do Psol como o dono de um mandatos
mais baratos do país - R$ 2 por voto (o de Guilherme Boulos custou R$ 38).
A reciclagem do discurso do Psol com uma
pauta da vida real, abraçada por um candidato a vereador desdenhado pelo
partido, o coloca em linha com a discussão emanada das eleições municipais e da
vitória de Donald Trump para o enfrentamento da extrema-direita. Parlamentares
do PL, que costumam lacrar em cima das pautas identitárias do Psol, já se
mostraram acuados pela PEC contra a semana de seis dias de trabalho.
O sucesso na velocidade com a qual a PEC ultrapassou as 100
assinaturas (são necessárias 171 para ser protocolada) e o abaixo-assinado
chegou a 1,4 milhão de assinaturas não guarda relação com a perspectiva de
aprovação da proposta, mas o Psol não parece estar preocupado com isso. No
balanço que fez da disputa municipal, Boulos disse que para se aliar ao centro
a esquerda não precisa abandonar suas próprias pautas. Argumentou que a
extrema-direita construiu sua base e tornou-se incontornável defendendo seus
próprios valores. Na lição de casa pós-eleição só faltou parabenizar Ricardo
Nunes pela vitória.
É bem verdade que para um partido, como o PT, que está
dentro do Palácio do Planalto, o descompromisso com a viabilidade das pautas
não se aplica. Mas o partido não atentou para a capacidade de a pauta conter a
repercussão negativa dos cortes. Ao verbalizar sua oposição à PEC e remeter a
redução de jornada para as convenções coletivas, porém, o ministro do Trabalho,
Luiz Marinho, mostrou que a resistência ao corte de rubricas de sua pasta lhe
minou o prumo. Além de ser incapaz de endereçar propostas aos trabalhadores de
aplicativos, também não consegue formatar alternativas para quem está na
formalidade mas acumula insatisfações com suas condições de trabalho.
É no descompasso que também se move a guerra interna - e com
o governo - que está em curso no PT. É compreensível que o partido se rebele
contra cortes no seguro-desemprego ou mesmo contra a desvinculação de
benefícios sociais do salário mínimo, como o fez no manifesto desta
segunda-feira que abespinhou o governo. Não parece razoável, porém, que o PT se
cale ante rubricas que escoam a receita nacional. Não foram citadas no
documento subscrito pelo partido, mas brotam às pencas.
O PT foi protagonista do texto que saiu da Câmara dos
Deputados preservando, em grande parte, o gigante e obscuro quinhão das
emendas. É razoável que o partido resista a apoiar uma nova reforma do Regime
Geral da Previdência Social, que abrange a massa de trabalhadores da iniciativa
privada, cujo salário médio é de R$ 1,8 mil. O mesmo não se aplica à
Previdência do setor público - civil e militar - cujo déficit é
proporcionalmente superior àquele do INSS. O partido também terá dificuldade em
reencontrar o eco das ruas sem enfrentar o corporativismo de carreiras
públicas. O humor antissistema que brota das urnas também é derivado de
privilégios que resistem a uma reforma administrativa real e encontram refúgio
no Congresso. O PT não é o único partido a lhes dar abrigo, mas é aquele cujo
futuro mais pode vir a ser comprometido com a resistência a cortar na carne.
A vitória de Donald Trump parece ter tornado mais improvável
a possibilidade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vir a abrir mão de
disputar a reeleição. Esta perspectiva tinha tudo para apaziguar as disputas
internas, especialmente os torpedos dirigidos contra o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad. Só que não. O partido foi derrotado nas urnas de outubro não
apenas pelas máquinas dos prefeitos. Foi derrotado pelas suas próprias máquinas
- municipal e partidária, vide disputas no Estado de São Paulo como as de
Araraquara e Osasco. A partir de agora, e por todo o segundo biênio, é isso que
se impõe ao PT: evitar que Lula seja derrotado por seu próprio governo como o
foi Jair Bolsonaro.
Culpar a imprensa e o mercado pela cobrança redobrada por
ajuste fiscal é dar as costas às pressões exercidas pela eleição de Trump sobre
a política monetária dos países emergentes. Não basta reciclar o discurso como
fez o Psol com a proposta de acabar com a semana de seis dias de trabalho, é
preciso manter as rédeas da economia. A derrota do bom governo de Joe Biden
pode ter muitas explicações, mas nenhuma delas pode contornar o preço cobrado
pela inflação.
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