Pressão fiscalista interna, exagerada e quase histérica,
eleva o risco de se estancar o crescimento, aumentar o desemprego
A semana passada foi angustiante. Nos EUA, contrariando as
pesquisas, Donald Trump elegeu-se presidente com larga margem de votos e ganhou
maioria no Parlamento. Aqui no Brasil, o Banco Central aumentou a taxa de juros
enquanto o governo Lula preparava o anúncio de cortes nos gastos públicos.
Trump fez várias promessas na campanha, algumas preocupantes
na área econômica. Prometeu sobretaxar as importações americanas, com óbvias
repercussões no comércio global: criar imposto de 10% a 20% para produtos
provenientes de todos os países e de 60% para os da China. Prometeu aplicar
sanções a países que não usarem o dólar em suas transações internacionais, uma
ameaça ao bloco do Brics. E, para não estender mais a lista, prometeu fechar as
fronteiras do país e deportar milhões de imigrantes ilegais.
Será que Trump cumprirá essas promessas de
viés protecionista e antiglobalização? Aparentemente, ele vai tentar, pois em
seu discurso de vitória anunciou um novo slogan: “Promises made, promises kept”
(Promessas feitas, promessas cumpridas).
Então, até prova em contrário, é preciso acreditar no que
ele diz. A taxação de importações terá grande impacto inflacionário nos EUA, em
seus parceiros e na economia mundial.
Enquanto o mundo digeria o efeito Trump, o Brasil brincava
com fogo. Tudo o que almeja um país emergente/subdesenvolvido é o crescimento
econômico e a ampliação do emprego e da renda da população. E as duas medidas -
juros mais altos e corte de gastos públicos - correm na contramão desse
objetivo, num momento em que o país caminha bem, com crescimento de 3% ao ano e
nível recorde de emprego.
Com a elevação de 0,5 ponto percentual, a taxa básica de
juros foi para 11,25% ao ano, 7% além da inflação, uma das mais altas do mundo.
O efeito traumático dessa taxa é abrangente, mas vale lembrar um, óbvio e
importante, que é o desestímulo a investimentos produtivos.
Com a preparação de cortes nos gastos, o governo Lula cedeu
à pregação fiscalista sobre o risco do déficit público. Quantificar o impacto
no crescimento do PIB tendo em vista esses cortes, alta dos juros que vai
continuar e nova política americana será tarefa para os economistas, mas que
haverá, haverá.
Ao observar esse cenário, é oportuno relembrar uma passagem
de “A Era da Incerteza”, de John Kenneth Galbraith (1908-2006). Nos anos 1930,
os EUA se recuperavam da “Grande Depressão” quando sobreveio o domínio
ideológico daqueles que Galbraith chamou ironicamente de “homens da sensatez”,
os radicais amantes da austeridade. Em 1937, conta Galbraith, a recuperação da
economia estava morosamente a caminho: a produção e os preços subiam, embora o
desemprego ainda fosse elevado. Os “homens da sensatez” começaram a agir no
sentido de reduzir as despesas do governo, aumentar impostos e equilibrar o
orçamento federal. “Os poucos keynesianos protestaram; nossas vozes foram
abafadas no alarido do aplauso ortodoxo. À medida que o orçamento caminhava
para o equilíbrio, a recuperação dava uma parada. Houve então um novo e
horrível colapso, a retração dentro da depressão”, observa o economista.
Os homens da sensatez dominam o discurso no Brasil. Até a
alta do dólar provocada por incertezas americanas e globais é muitas vezes
atribuída principalmente à expectativa de déficits públicos locais no futuro.
É ótimo e recomendável ter contas públicas ajustadas e com
criterioso controle de gastos em todos os setores. O fiscalismo quase
terrorista, porém, baseado em previsões apocalípticas do mercado financeiro,
muitas vezes parece insensato. Também na economia é preciso evitar a
polarização na defesa de ideias. Neste momento, turbinado pelas indigestas
promessas trumpistas, a pressão fiscalista interna é exagerada e quase
histérica. Ela eleva o risco de se estancar o crescimento, aumentar o
desemprego e dar razão aos analistas radicais que já rotularam a atual expansão
do PIB de “mais um voo de galinha”.
Reflexão
Mudando de assunto, mas nem tanto, vale resumir uma reflexão
feita pelo diretor de Desenvolvimento da multinacional Sew Eurodrive no país,
Hiram Andreazza de Freitas: “A vitória de Trump simboliza o avanço de
mentalidade individualista, na qual o lema ‘primeiro eu, depois os outros’ se
sobrepõe à visão coletiva e à valorização dos princípios democráticos.
“O discurso da direita radical incentiva as pessoas a darem
prioridade a seus próprios interesses em detrimento do bem comum. Defende a
redução do papel do Estado e o enfraquecimento das instituições, rotulando-as
como caras, ineficientes e incapazes de garantir direitos básicos de segurança,
saúde e educação.
“Líderes como Trump representam uma visão de sucesso baseada
no ganho individual, enquanto perdem espaço valores de solidariedade e
prosperidade compartilhada. Globalmente, essa abordagem se espalha por meio de
discursos populistas que priorizam interesses locais, intensificam a competição
e enfraquecem a colaboração.
“Discursos polarizantes e de ódio encontram forte
engajamento, criando verdadeiros exércitos de apoiadores. Assim, a democracia
não é destruída com tanques nas ruas, mas sim por dentro, por líderes que a
usam para chegar ao poder e depois miná-la sistematicamente.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário