Ambições do Brasil na presidência do G-20 contrastam com
plataforma que reconduziu Trump à Casa Branca
Pela primeira vez na presidência do G-20, fórum de
cooperação internacional que engloba as 19 principais economias do mundo e dois
blocos regionais (União Europeia e União Africana), o Brasil defende uma agenda
da qual, pelo menos no papel, é difícil discordar: reforma da governança
global, combate à fome e à pobreza e a promoção do desenvolvimento sustentável.
Embora a realidade de cada um dos membros do G-20 seja
bastante díspar, os objetivos traçados pelo Brasil são relevantes para todos
eles, tanto os de renda média, como é o caso do Brasil, quanto os mais ricos e
também os mais pobres. Ainda assim, mesmo antes da eleição de Donald Trump nos
Estados Unidos, a agenda brasileira enfrentava desafios, mais notadamente os
representados pelas duas grandes guerras em andamento (Rússia x Ucrânia e
Israel x Hamas) e por certa descrença no multilateralismo.
O retorno à Casa Branca de um fortalecido Trump, agora com
maioria no Senado, maioria na Câmara e uma Suprema Corte francamente
conservadora, faz com que a descrença no multilateralismo se torne desprezo. A
vitoriosa plataforma eleitoral de Trump é o exato oposto da agenda brasileira à
frente do fórum: isolacionismo, relaxamento das regras ambientais e foco no
indivíduo, não no coletivo. A vitória do republicano poucos dias antes da
Cúpula de Líderes do G-20, nos dias 18 e 19 de novembro, provocou um desalinhamento
de expectativas para o encontro de alguns dos principais chefes de Estado do
mundo.
A segunda eleição de Trump, inegavelmente, estará no centro
das atenções das autoridades internacionais reunidas no Brasil, ainda que
oficialmente a cúpula siga os ritos preestabelecidos que esses eventos costumam
ter. Neste contexto, é simbólico que Joe Biden, com quem o Brasil perdeu a
oportunidade de forjar uma relação mais próxima nos dois anos em que o mandato
do democrata coincidiu com o de Lula da Silva, tenha confirmado presença no
G-20 apenas depois da derrota de Kamala Harris nas urnas.
A presença dele, agora, é muito mais indicativa de que há no
mundo líderes de trajetória democrática alinhados às propostas de defesa do
meio ambiente e combate à pobreza do Brasil do que endosso americano às
proposições brasileiras. Este, se existe, está com os dias contados. A vinda
tardia de Biden ao Brasil serve mais como recado de que, apesar das promessas
de Trump e do que prometem ser quatro anos difíceis para o multilateralismo, o
comércio global e o meio ambiente, haverá resistência.
Curiosamente, quem mais pode fortalecer o que o Brasil
almeja nesta presidência do G-20, mas talvez não consiga ver consagrado durante
o seu período de liderança, é o próprio Trump. Se realmente isolar os Estados
Unidos do mundo, o republicano obrigará outras nações, especialmente aquelas
com as quais ele forçar atritos, a buscarem cooperação.
Se realmente embarcar em uma guerra comercial contra a
China, abalando a economia e as finanças globais, Trump estará,
involuntariamente, oferecendo um motivo para que os países fortaleçam a
governança global e fóruns como o G-20, que surgiu exatamente como resposta à
crise financeira de 2008.
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