"O inquérito do golpe não estará completo até que
toda a cúpula de responsáveis por seu planejamento, custeio e operação sejam
punidos, inclusive, aqueles que escaparam ao indiciamento no primeiro
relatório"
O inquérito sobre os atos antidemocráticos, a trama de golpe
de Estado e o uso da desinformação como estratégia de desestabilização da
democracia chegou aos estágios finais, após dois anos de investigação. A
Polícia Federal indiciou formalmente Jair Bolsonaro, toda a cúpula militar da
Presidência, o delegado Alexandre Ramagem, da Polícia Federal, ex-chefe da
Abin, e o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, por tentativa de golpe de
estado, tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito e por
organização criminosa. Foram 36 indiciados, entre eles 24 militares, além de
Bolsonaro. A única exceção entre os oficiais palacianos foi o
ex-secretário-geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos.
Os golpistas foram reunidos em seis núcleos diferentes:
desinformação, jurídico, operacional, inteligência, oficiais de alta patente e
responsável por incitar militares a apoiar o golpe. A Procuradoria-Geral da
República deve oferecer denúncia contra todos. Muitos dos oficiais de alta
patente eram do grupo de elite do Exército, as Forças Especiais, os "kid
pretos".
O grande ausente é o general Ramos, também
da cúpula militar palaciana. Não é crível que um general saído do comando do 2º
Exército em São Paulo para ocupar a Secretaria de Governo e depois a
Secretaria-Geral, tendo como seu "vice" o general "kid
preto" Mário Fernandes, principal idealizador do plano "Punhal
Verde-Amarelo", não saber, nem ter participado da conspiração pelo golpe.
O general Fernandes, em mensagem a ele, que era seu superior imediato, trata do
golpe e o chama de "kid preto".
Esse foi um golpe estimulado, idealizado, tramado e
planejado por toda a cúpula militar da Presidência da República, no governo
Bolsonaro. Ele foi o chefe político e comandante supremo desses oficiais
superiores em cargos estratégicos. Após o julgamento na Suprema Corte civil, os
militares devem ser julgados, também, no Superior Tribunal Militar. Será a
primeira vez que oficiais responderão a IPMs por crime político. Espera-se que
os golpistas sejam punidos de forma exemplar e, com agravantes por serem de alta
patente, estarem em funções de grande responsabilidade, vários deles em
posições cujo mandato incluía a obrigação de defender a integridade do Estado
Democrático de Direito.
Foi um golpe inacabado e é precisamente porque não se
consumou que pôde ser investigado e será julgado. Golpes consumados cancelam o
Estado Democrático de Direito e se asseguram a imunidade. Como fizeram os
militares de 1964, que forçaram um Congresso sitiado a incluí-los na anistia a
suas vítimas, em troca de uma abertura política negociada. O tipo penal é
tentativa de golpe de Estado, isto é, tentar depor o governo legalmente
constituído, com emprego de violência ou grave ameaça. O outro tipo penal é tentar
abolir o Estado Democrático de Direito, com emprego de violência ou grave
ameaça, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. As
penas são leves diante da gravidade dos crimes, no máximo 12 anos de prisão,
para cada crime.
Mesmo a pena agravada em um terço por ocupar os mais altos
postos de comando não guarda proporção com a seriedade dos crimes e a
oportunidade que um golpe desse tipo abre para crimes hediondos, como tortura e
execução de adversários. O organograma do Gabinete de Crise previsto para logo
após a deposição e morte de Lula, Alckmin e Moraes, que seria comandado pelos
generais agora indiciados, Heleno Augusto e Braga Netto, previa uma
"Assessoria de Inteligência" encarregada de ações de "inteligência
e contrainteligência, nos níveis federal, estadual e municipal". Quem
viveu os anos de chumbo, sabe no que se tornaram esses aparatos de
"inteligência e contrainteligência" das Forças e do SNI.
Pelo menos se todos os envolvidos no plano de golpe e
abolição do estado democrático de direito, mentores, financiadores e
operadores, forem condenados pela pena máxima, acrescida de seus agravantes,
passarão uma boa temporada encarcerados. Seria o fim da impunidade crônica que
caracterizou o tratamento judicial de crimes políticos no Brasil e da leniência
com as tramas golpistas, inclusive, aquela que terminou nos 21 anos de ditadura
militar e abusos aos direitos humanos em seus porões. O inquérito do golpe não
estará completo até que toda a cúpula de responsáveis por seu planejamento,
custeio e operação sejam punidos, inclusive, aqueles que escaparam ao
indiciamento no primeiro relatório. Esperemos por outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário