sexta-feira, 22 de novembro de 2024

'KIDS PRETOS' PARA A HISTÓRIA

Ruy Castro, Folha de S. Paulo

O plano pode ter sido levado a Bolsonaro para sua rubrica em cada página e assinatura na última

Alguém já perguntou certa vez: "Suponha que você dê uma revolução e ninguém apareça?". Em novembro de 1935, levantes precipitados no Nordeste fizeram Luiz Carlos Prestes, com menos de 100 seguidores, tentar um golpe armado no Rio contra o governo de Getulio Vargas. O golpe fracassou —as tropas que deveriam se insurgir nos quartéis não acharam boa ideia e as grandes massas, sem saber de nada, também não se mexeram. Getulio aproveitou para prender e torturar milhares em todo o país.

A casa em que Prestes e Olga Benario se escondiam em Ipanema foi estourada pela polícia. Eles tinham fugido minutos antes, deixando para trás um cofre contendo documentos descrevendo cada etapa da operação, estratégias, nomes dos camaradas, seus cargos e atribuições e até o manifesto a ser lido no dia da vitória. Na casa de outro envolvido, o infeliz Harry Berger, talvez o preso político mais torturado do Brasil, encontraram-se também cartas, mapas, planos de ação, mensagens em código e até a chave do código. Era como se, um dia, um historiador fosse usar aquilo para descrever a revolução brasileira.

Pode ter sido esta a intenção dos golpistas de Bolsonaro, os "kids pretos", ao produzir tantas provas contra eles mesmos —deixar o material prontinho para seus futuros biógrafos. Infelizmente, a Polícia Federal chegou antes e melou tudo. Em 2022, já tivemos aquela tosca minuta de golpe que circulou alegremente por Brasília e só faltou ser distribuída nas ruas como flyers. Desta vez, os conspiradores produziram o arquivo "Punhal Verde Amarelo", um plano para matar Lula, Alckmin e Moraes.

Nele estão discriminados os fuzis, metralhadoras, pistolas, lança-rojões, lança-granadas, coletes à prova de balas, rádios, celulares, fotos, áudios e dados de geolocalização e o monitoramento dos alvos e de seus seguranças, para passar todo mundo na bala. Muito mais complexo e inspirado.

As cópias do arquivo foram impressas no Palácio do Planalto e levadas para uma reunião no Alvorada onde, olha só, encontrava-se Bolsonaro —talvez para sua rubrica em cada página e assinatura na última.

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