domingo, 17 de novembro de 2024

O BRASIL DEIXARÁ LEGADO NO G20

Míriam Leitão, O Globo

A presidência do Brasil vai deixar algo concreto para os participantes: um instrumento estruturado na luta contra a fome e a pobreza

A presidência do Brasil no G20 vai deixar um legado concreto. O mais importante deles é a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que está formatada de maneira bem objetiva. Serão mobilizados recursos que já existem para financiar a implantação de grandes programas com eficiência comprovada. A assistência técnica será dada por países em desenvolvimento que implantaram esses programas com sucesso. Um deles é o Bolsa Família do Brasil, outro é o programa de microcrédito de Bangladesh, voltado para as mulheres. Há outros. E para dar mais concretude à Aliança, haverá um secretariado na FAO, de 2025 a 2030, para cuidar desse assunto. A Aliança será lançada nesta segunda, o primeiro evento da cúpula, quando se saberá a lista final de quem aderiu.

— O presidente Lula nos disse desde o início: “eu quero poucos e bons objetivos na cúpula, porque estou nisso há muito tempo e vejo coisas que ficam aquém do esperado”. O primeiro objetivo que ele queria era enfrentar a fome, e a grande solução são os programas abrangentes, mas isso nunca havia sido universalizado. Temos um décimo da população mundial passando fome. São 733 milhões de pessoas, sendo quase 150 milhões de crianças abaixo de cinco anos. Ou seja, o mundo tem mais que uma Rússia de bebês passando fome. Como não considerar isso a mais alta prioridade da comunidade internacional, já que temos os meios? — me disse o embaixador Mauricio Lyrio, que é o coordenador da trilha dos “sherpas”, uma expressão usada para definir os guias em processos de negociações internacionais.

A trilha dos “sherpas” engloba 15 temas como educação, saúde, meio ambiente, cultura e energia, entre outros. Cabe a esses negociadores preparar o caminho para os acordos a nível ministerial, que antecedem a reunião da cúpula de governantes, segunda e terça, no Rio. No caminho até a cúpula, os negociadores do G20 conseguiram um feito importante. Nas presidências anteriores, da Índia e da Indonésia, o conflito da Rússia e Ucrânia contaminou todas as áreas. Os ministros, principalmente do G7, não assinavam documentos em qualquer área se o tema não fosse tratado. Na presidência do Brasil, o que se fez foi deixar o assunto para ser tratado pela cúpula para poderem negociar os acordos. Isso resolveu o impasse e destravou decisões ministeriais.

No caso da Aliança, quatro documentos embasaram o programa. O que foi decidido é ter uma cesta de programas já testados em alguns países e que funcionaram. O Bolsa Família, por exemplo, é considerado um programa de referência pelo Banco Mundial. Além do Bolsa Família e do microcrédito, há programas de merenda escolar com compras na agricultura familiar e programas de cadastro único. Experiências já testadas.

— Como vai funcionar a Aliança? O país beneficiário se compromete a adotar um desses programas e com isso tem acesso aos recursos. E de onde vêm os recursos? A ideia não foi criar um fundo novo, mas direcionar fundos que já existem. Por exemplo, o IDA do Banco Mundial ( Associação Internacional de Desenvolvimento). Este fundo tem centenas de bilhões de dólares e está trazendo novos recursos —explica o embaixador.

A questão é que se já existia o dinheiro, já existia a fome, já existiam países necessitados, o que aconteceu de diferente agora na Aliança?

— A diferença é que, antes, não tinha a consagração da ideia de que são programas sociais abrangentes que permitem a superação da fome. No passado, a ajuda era dada a pequenos projetos.

Isso dispersava os recursos e tirava a eficiência. Os detentores dessa tecnologia social são países em desenvolvimento como o Brasil. A Aliança junta os três pilares: países ricos financiam direcionando fundos já existentes, países em desenvolvimento ensinam como fazer e países pobres se comprometem a usar um daqueles programas da cesta.

Outros bancos de desenvolvimento se juntam no mesmo esforço, como será anunciado pelo brasileiro Ilan Goldfajn, do BID, e Akinwumi Adesina, do Banco Africano de Desenvolvimento. Eles vão usar os Direitos Especiais de Saque, agora liberados pelo FMI, numa espécie de carteira na qual eles conseguem recursos para um fundo específico de combate à fome. Ilan liderou este ano o grupo que reúne todos os bancos de desenvolvimento. E eles propuseram 20 mudanças concretas na estrutura dos bancos, 16 estão entrando no Communiqué final.

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