A presidência do Brasil vai deixar algo concreto para os
participantes: um instrumento estruturado na luta contra a fome e a pobreza
A presidência do Brasil no G20 vai deixar um legado
concreto. O mais importante deles é a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza,
que está formatada de maneira bem objetiva. Serão mobilizados recursos que já
existem para financiar a implantação de grandes programas com eficiência
comprovada. A assistência técnica será dada por países em desenvolvimento que
implantaram esses programas com sucesso. Um deles é o Bolsa Família do Brasil,
outro é o programa de microcrédito de Bangladesh, voltado para as mulheres. Há
outros. E para dar mais concretude à Aliança, haverá um secretariado na FAO, de
2025 a 2030, para cuidar desse assunto. A Aliança será lançada nesta segunda, o
primeiro evento da cúpula, quando se saberá a lista final de quem aderiu.
— O presidente Lula nos
disse desde o início: “eu quero poucos e bons objetivos na cúpula, porque estou
nisso há muito tempo e vejo coisas que ficam aquém do esperado”. O primeiro
objetivo que ele queria era enfrentar a fome, e a grande solução são os
programas abrangentes, mas isso nunca havia sido universalizado. Temos um
décimo da população mundial passando fome. São 733 milhões de pessoas, sendo
quase 150 milhões de crianças abaixo de cinco anos. Ou seja, o mundo tem mais
que uma Rússia de bebês passando fome. Como não considerar isso a mais alta
prioridade da comunidade internacional, já que temos os meios? — me disse o
embaixador Mauricio Lyrio, que é o coordenador da trilha dos “sherpas”, uma
expressão usada para definir os guias em processos de negociações internacionais.
A trilha dos “sherpas” engloba 15 temas como educação,
saúde, meio ambiente, cultura e energia, entre outros. Cabe a esses
negociadores preparar o caminho para os acordos a nível ministerial, que
antecedem a reunião da cúpula de governantes, segunda e terça, no Rio. No
caminho até a cúpula, os negociadores do G20 conseguiram um feito importante.
Nas presidências anteriores, da Índia e da Indonésia, o conflito da Rússia e
Ucrânia contaminou todas as áreas. Os ministros, principalmente do G7, não
assinavam documentos em qualquer área se o tema não fosse tratado. Na
presidência do Brasil, o que se fez foi deixar o assunto para ser tratado pela
cúpula para poderem negociar os acordos. Isso resolveu o impasse e destravou
decisões ministeriais.
No caso da Aliança, quatro documentos embasaram o programa.
O que foi decidido é ter uma cesta de programas já testados em alguns países e
que funcionaram. O Bolsa Família, por exemplo, é considerado um programa de
referência pelo Banco Mundial. Além do Bolsa Família e do microcrédito, há
programas de merenda escolar com compras na agricultura familiar e programas de
cadastro único. Experiências já testadas.
— Como vai funcionar a Aliança? O país beneficiário se
compromete a adotar um desses programas e com isso tem acesso aos recursos. E
de onde vêm os recursos? A ideia não foi criar um fundo novo, mas direcionar
fundos que já existem. Por exemplo, o IDA do Banco Mundial ( Associação
Internacional de Desenvolvimento). Este fundo tem centenas de bilhões de
dólares e está trazendo novos recursos —explica o embaixador.
A questão é que se já existia o dinheiro, já existia a fome,
já existiam países necessitados, o que aconteceu de diferente agora na Aliança?
— A diferença é que, antes, não tinha a consagração da ideia
de que são programas sociais abrangentes que permitem a superação da fome. No
passado, a ajuda era dada a pequenos projetos.
Isso dispersava os recursos e tirava a eficiência. Os
detentores dessa tecnologia social são países em desenvolvimento como o Brasil.
A Aliança junta os três pilares: países ricos financiam direcionando fundos já
existentes, países em desenvolvimento ensinam como fazer e países pobres se
comprometem a usar um daqueles programas da cesta.
Outros bancos de desenvolvimento se juntam no mesmo esforço,
como será anunciado pelo brasileiro Ilan Goldfajn, do BID, e Akinwumi Adesina,
do Banco Africano de Desenvolvimento. Eles vão usar os Direitos Especiais de
Saque, agora liberados pelo FMI, numa espécie de carteira na qual eles
conseguem recursos para um fundo específico de combate à fome. Ilan liderou
este ano o grupo que reúne todos os bancos de desenvolvimento. E eles
propuseram 20 mudanças concretas na estrutura dos bancos, 16 estão entrando no
Communiqué final.
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