A OAB deve impor-se em prol da cidadania, do Estado de
Direito e da liberdade, porque ela não pode ser uma ONG, um clube de serviços
ou um sindicato
Advocacia dever-se-ia grafar com “a” maiúsculo por ser uma
instituição constitucional, essencial à concretização da justiça. Equivocam-se
os que a redigem com “a” minúsculo porque diminuem sua expressão simbólica no
quadro em que concorre para efetivação da Constituição com instituições
públicas, como a magistratura, o Ministério Público e a Defensoria Pública, e a
reflexão que se pode extrair desse contexto é própria do momento em que se
realizam eleições para os quadros dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB).
As primeiras instituições de ensino do Direito formavam
bacharéis a atender à demanda do Estado, como, por exemplo, as escolas de São
Paulo e do Recife. A Advocacia enquanto instituição privada não se
personificava juridicamente e fora parceira menor da magistratura e da
promotoria, enquanto a maior parte dos bacharéis não integrantes do serviço
estatal dirigiam-se à política. As entidades de congregação da Advocacia (do
século 18 ao início do século 20) nem eram de representação ou disciplina
legais para os advogados. Mas eram associações que denominados institutos mais
se dedicavam à reunião de seus pares objetivando a cultura jurídica sobretudo
livremente do poder.
Advogados, ligando-se a movimentos
políticos que inspiravam e impulsionavam ideologicamente mudanças sociais,
fizeram a abolição, a República, a Revolução de 1930, e esta última, enquanto
governo provisório da República, organizou a Advocacia e outras profissões
liberais em corporações de ofício, à semelhança de guildas medievais, com forte
conotação fascista, mas sem tolher a Advocacia em sua liberdade, como fizera
com organizações de outros profissionais liberais, o que constituiu a Ordem dos
Advogados do Brasil, órgão público independente do poder e dotado de autonomia
administrativa e financeira ampla e total.
Instaurado o Estado Novo, em 1937, foi a Advocacia o grande
impulso da democratização, dando causa civil à queda da ditadura e, a partir
daí, lideranças da Advocacia, incorporadas à OAB, foram protagonistas da
redemocratização, após o golpe de 1964, e do impeachment do presidente Fernando
Collor, e fora ela a fautora da Constituição de 1988, em que se deu
contemporaneidade ao Direito brasileiro alinhando-o aos mais avançados sistemas
constitucionais e de Justiça.
O desenvolvimento brasileiro e a tecnização da Advocacia,
concomitantes à massificação da profissão, fizeram surgir miríades de
associações à margem da OAB, voltadas à defesa de interesses segmentados das
múltiplas especializações jurídicas, desligando de sua militância expressivo
contingente de advogados, que a tem apenas como órgão de inscrição profissional
e excepcionalmente de disciplina e ética; passando a entidade a congregar tão
somente uma Advocacia de exercício tradicional, com muitas questões relacionadas
a dificuldades de formação de seus recéminscritos e sobrevivência financeira
deles, em que a Ordem dos Advogados do Brasil desempenha papel social de grande
envergadura pedagógica e de educação continuada, preparando para a sociedade
algo entre 1 milhão de advogados atualmente.
Acontece que a grandeza da Ordem dos Advogados do Brasil vem
do papel da Advocacia, na ordem judiciária brasileira, e muito de sua função de
guardiã da ordem democrática e constitucional, em que, nos últimos anos,
processa-se um afastamento da entidade das lides cívicas, com expressiva perda
de prestígio no cenário nacional, que não nos faz lembrar as grandes campanhas
do passado, voltada à construção de uma nação, pelo Estado de Direito sem cujas
liberdades a Advocacia não se realiza. Em face da pandemia, a atividade do
Poder Judiciário tornou-se restritiva à cidadania e o extraordinário da peste
tornouse o ordinário da Justiça. Cabe à ordem cumprir o seu papel
constitucional ante a desagregação desse Poder que afrontoso ao direito de
defesa e ao contraditório sobrepõe-se à Advocacia, em sistemas de operação que
afastam de seus préstimos o acesso presencial a seus juízos, e age
restritivamente à função constitucional dos advogados por conseguinte. Com o
misterioso julgamento virtual que sonega participação à defesa técnica da
Advocacia e em alguns tribunais, jamais se sabe onde ele começa e muito menos
quando termina. A Ordem dos Advogados do Brasil deve impor-se em prol da
cidadania, do Estado de Direito e da liberdade, porque ela não pode ser uma
ONG, um clube de serviços ou simplesmente um sindicato, a ela cabe grafar
Advocacia com “a” maiúsculo eternamente.
Por isso somos instituição constitucional e agentes
legitimados à arguição de constitucionalidade das leis e outros atos do poder.
Propugnar eleições diretas para a presidência nacional da ordem, por exemplo,
pode ser pouco em função de nossas missões constitucionais que não se resumem à
aprovação do quinto constitucional dos advogados, que sempre merece qualificada
e efetiva representação da Advocacia, a qual quase nunca se realiza nos
tribunais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário