Lula e Milei produzem frieza para as redes sociais e
acordos para os interesses nacionais
Ao subir a rampa do Museu de Arte Moderna no Rio para ser
recebido pelo anfitrião, o presidente argentino protagonizou a troca de
cumprimentos mais fria da abertura do G20. Nos 20 segundos em que durou a cena,
coube apenas um aperto de mão e uma foto sem sorrisos dos quatro, Javier Milei
e a irmã, Karina, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama,
Janja da Silva. Contrastou com os demais chefes de Estado. Joe Biden posou de
mãos dadas com Lula e Emmanuel Macron deu até uma corridinha na rampa para
abraçar o presidente brasileiro. Foi uma frieza moldada para as redes. Milei
não apenas assinou tudo o que o Brasil queria como ainda fechou um acordo que
Lula não conseguiu arrancar de Alberto Fernandez.
O G20 é o último grande encontro da
diplomacia mundial antes da posse de Donald Trump. Anfitrião do encontro em
2026, os EUA dificilmente manterão a linha adotada pelos países em
desenvolvimento que se tornaram anfitriões. Na Índia, a prioridade foi o aquecimento
global, no Brasil, o combate à pobreza e à fome e, na África do Sul, no próximo
ano, será a taxação das grandes fortunas.
É mais do que a temática que está em risco. Daí porque este
G20 se revestiu da expectativa de que as 20 maiores economias do planeta
pudessem vir a fazer um “hedge” contra a volta do ex-presidente americano ao
tablado. Esta expectativa pode vir a se revelar excessivamente otimista, mas
Brasil e Argentina mostraram que as relações internacionais não são movidas a
maniqueísmo mas pelo interesse nacional. E não é a posse de Trump que vai mudar
isso.
Enquanto Biden autorizou de lá o uso de mísseis de longa
distância na Ucrânia contra a Rússia, comprovando os limites do fórum para a
paz mundial e Macron disse que se opõe ao acordo entre o Mercosul e a União
Europeia, foi a Argentina do gélido Milei que deu a notícia mais importante
para o Brasil ontem.
Milei aderiu à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza,
principal iniciativa brasileira no encontro, e subscreveu os parágrafos sobre a
tributação dos mais ricos e o combate à desinformação. Não bastasse, o ministro
da Economia, Luis Caputo, assinou, nesta segunda-feira, com o ministro das
Minas e Energia, Alexandre Silveira, memorando de importação de gás natural
argentino pelo Brasil.
É um acordo financeiramente vantajoso para ambos os países.
Alberto Fernández era tão próximo de Lula que chegou a visitá-lo em sua prisão
curitibana, mas a amizade não deu conta de superar as dificuldades deste
acordo. Quem o fez foi Milei, três dias depois de se encontrar com Trump e se
vender como um aliado contra “comunistas” como Lula.
O Brasil conseguiu o gás, da reserva argentina de Vaca
Muerta, por até US$ 8 o BTU (sigla para a unidade térmica utilizada) enquanto o
mercado interno brasileiro o produz a US$ 14. E a Argentina vai gerar divisas
exportando um ativo energético e ocupando um espaço que hoje é da Bolívia.
É bem verdade que a exploração deste gás afronta os
compromissos assumidos pelo Brasil de mitigação do aquecimento global na COP29.
O gás desta reserva é de xisto. Para separá-lo desta rocha, é preciso usar água
de alta pressão, o que arrisca os lençóis freáticos e abala comunidades
indígenas próximas à área. O Brasil sempre poderá dizer que a responsabilidade
da exploração é da Argentina, cabendo ao país apenas transportá-lo até seus
depósitos.
Quem tornou esse acordo possível foram os interesses
empresariais, a diplomacia e a burocracia de ambos os países que prosseguem
interagindo, independentemente de quem esteja no poder. É o “deep state” dos
pampas que segue em curso enquanto as caretas mal-humoradas dos chefes de
Estado cumprem a missão a que se destinam nas redes sociais.
É cinismo, mas é assim que se move a chamada lógica
transacional da qual Donald Trump é o principal artífice. É neste sentido que o
presidente americano tem estimulado a “blindagem” contra sua volta ao poder.
Enquanto acordos como este entre Brasil e Argentina mostram-se viáveis, o
multilateralismo de organismos como o G20 ainda terá que mostrar sua eficácia.
Biden prometeu doar U$$ 4 bilhões para que o Banco Mundial se envolva no acordo
para a superação da fome e da pobreza, mas a destinação terá que ser submetida
a um Congresso de dominância republicana.
É esta perspectiva de ganho bilateral que move o encontro
pós-G20 entre Lula e Xi Jinping na visita de Estado do presidente chinês, que
acontecerá na quarta-feira, em Brasília. Mas não será fácil. Ameaçada de
sobretaxação por Trump, a China quer diversificar o mercado de sua indústria. O
Brasil pretende o inverso: investimento chinês para deixar de ser um eterno
exportador de commodities para a China e poder desenvolver sua própria
indústria.
A declaração final, obtida no primeiro dia do encontro, pode
ser lida como uma resposta do G20 à necessidade de reforçar o multilateralismo
antes do seu algoz tomar posse na Casa Branca. Está claro, porém, que o alcance
é limitado. Lula valeu-se da condição de único chefe de Estado presente no
primeiro encontro do G20, em 2008, para atestar, 16 anos depois, que o mundo
piorou. Ao reconhecer o fracasso do fórum, legitima os ganhos que o Brasil vier
a obter na edição deste ano, todos juntos ou separados: o que vier é lucro. A
lógica transacional tomou posse antes de Trump.
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