Algumas promessas de campanha e declarações do presidente
eleito certamente devem estar causando preocupação ao governo brasileiro
A eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA terá
não só profundas repercussões na política interna norte-americana, como também
no cenário internacional, com forte impacto na geopolítica, na economia global
e em alguns temas globais, como meio ambiente, mudança do clima, imigração,
transição energética e avanço da direita. Ajustes, acomodações e resistências
acontecerão em função das mudanças prometidas, a partir de janeiro.
As políticas econômicas e comerciais do governo Trump, se
cumpridas as promessas, em função de políticas expansionistas para criar
empregos, medidas nacionalistas e protecionistas de política industrial, com o
consequente reflexo na inflação, no déficit público e na taxa de juros do
Federal Reserve (Fed), poderão impactar o comportamento do dólar, a inflação e
a taxa de juros no Brasil.
As relações institucionais entre o Brasil e
os EUA não deverão ser afetadas. Comércio, investimentos, tecnologia e outras
áreas de cooperação continuarão a fluir normalmente, mas algumas promessas de
campanha e declarações de Trump certamente devem estar causando preocupação ao
atual governo: a questão da Venezuela, a proximidade com a China, a evolução do
Brics, a busca de protagonismo global, a possibilidade de imposição de tarifas
para a exportação de todos os países para os EUA, a agenda climática, a eventual
deportação de brasileiros, as acusações de corrupção, as relações de Trump com
o bolsonarismo e os problemas com Elon Musk, associados à retórica de
restrições à liberdade de expressão nas decisões do Supremo Tribunal Federal
(STF).
As ações globais para a preservação do meio ambiente, o
combate à mudança de clima e a transição energética ficarão afetadas pela perda
de prioridade no novo governo Trump, que prometeu ampliar a pesquisa e
exploração de petróleo e gás no território americano e novamente abandonar o
Acordo de Paris, eliminando as metas de redução de emissões de gás carbono. A
COP-30, no Brasil, será diretamente afetada e poderá ser esvaziada pela
ausência do presidente dos EUA.
A escalada retórica de Trump, já presidente eleito, sobre a
situação política interna na Venezuela é inquietante para a política externa
brasileira. Apesar de a América do Sul não ter prioridade na política externa
dos EUA e a Venezuela não ter sido mencionada na campanha eleitoral, Trump
disse, em entrevista no TikTok, que a Venezuela é um caos, que a população está
sofrendo e que seu governo vai ter várias opções para responder a essa questão,
inclusive a opção de uma intervenção militar. Certamente, terá apoio de outros
países, como a Argentina, de Javier Milei, e resistências de potências
extrarregionais que apoiam Caracas, como a Rússia e a China.
As relações com a China, a principal parceira comercial do
Brasil, passarão por um momento muito delicado pela eventual reação dos EUA à
aproximação brasileira com Pequim, pela dependência do mercado chinês. As
decisões sobre a política de Lula da Silva em relação ao Brics, na reunião no
ano próximo no Brasil, podem representar o maior desafio da política externa do
atual governo. A presença no Brasil dos novos membros, autoritários e
ditaduras, e a questão do ingresso da Venezuela no grupo deverão gerar reação
da oposição de direita brasileira, às vésperas do início da campanha eleitoral
de 2026. A decisão sobre o eventual ingresso do Brasil na Rota da Seda pode ter
implicação no relacionamento com o governo Trump, visto que ainda com Joe Biden
altas autoridades norteamericanas mandaram sinais claros sobre os riscos de uma
eventual adesão do Brasil.
A promessa de deportar 10 milhões de imigrantes dificilmente
será cumprida na totalidade, mas com certeza, em parte, será implementada. O
maior contingente de brasileiros no exterior está nos EUA (1,9 milhão – 290 mil
ilegais) e poderá ser afetado, o que gerará desconforto para o governo Lula.
O avanço da direita na região ganhará reforço e apoio de
Washington. Javier Milei e Nayib Bukele serão prestigiados e ganharão mais
espaço na América Latina, esvaziando ainda mais a liderança regional do Brasil
e a busca de influência global (guerras na Ucrânia e Gaza).
Até mesmo na política interna poderá haver ações contrárias
ao atual governo. Eduardo Bolsonaro estava em Mar-a-Lago, comemorando a vitória
republicana, e não será surpresa se vier a estimular provocações e mesmo
restrições ao governo Lula no final de 2025. Sem falar num eventual apoio do
governo Trump à retórica de perseguição política a Jair Bolsonaro e de
julgamento em relação aos condenados pelos acontecimentos de 8 de janeiro em
Brasília e à declaração de inelegibilidade do ex-presidente pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE).
Os imprudentes pronunciamentos do presidente Lula
manifestando sua preferência por Kamala Harris para “defender a democracia e
evitar o nazismo e o fascismo com outra cara” e aconselhando Trump a “pensar
como habitante do planeta Terra” não vão ajudar na relação entre os chefes de
Estado dos dois países.
Em face de todos esses desafios de política externa, de
acordo com o interesse nacional e refletindo a mudança do eixo da política
comercial para a Ásia/China, torna-se urgente uma declaração do governo
brasileiro, sem ideologia ou partidarismo, com o objetivo de reafirmar uma
posição de independência em relação a países ou grupo de países. •
Nenhum comentário:
Postar um comentário