No extenso e contundente relatório de 884 páginas elaborado
pela Polícia Federal, conclui-se que o ex-presidente Jair Bolsonaro atuou como
líder de uma organização criminosa que planejou um golpe de Estado para
mantê-lo no poder depois que ele perdeu as eleições em outubro de 2022. E não
só isso, os investigadores também descobriram que esse plano incluía o
assassinato do candidato vencedor, Lula da Silva, de seu vice-presidente
Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de
Moraes.
Em uma de suas partes, o documento afirma que "as
provas obtidas ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o
então Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, planejou, agiu e teve
controle direto e efetivo dos atos executórios praticados pela organização
criminosa que tinha como objetivo a realização de um golpe de Estado e a
Abolição do Estado Democrático de Direito".
Pelo mesmo motivo, a Polícia Federal pede o julgamento de
Bolsonaro e outras 36 pessoas principalmente por esses três crimes: Intenção de
realizar um golpe de Estado; abolição violenta do Estado Democrático de Direito
e formação de organização criminosa. De acordo com as investigações realizadas
e extensas evidências, o golpe não teria sido consumado devido a
"circunstâncias além da vontade do ex-presidente" e seus cúmplices.
A primeira delas é que eles não tinham o
apoio do Comandante e da liderança do Exército, nem do Comandante e do primeiro
escalão da Força Aérea. O único comandante que se dispôs a participar dessa
articulação golpista foi o almirante Almir Garnier da Marinha, que colocou suas
tropas à disposição do presidente e, de acordo com as conversas interceptadas,
tinha o arsenal e os tanques da Marinha "prontos" para agir caso o
presidente Bolsonaro solicitasse. Por esse motivo, Garnier está na lista de 37
indivíduos apontados como suspeitos na tentativa de golpe.
Em outro trecho da carta, pode-se confirmar o papel de
liderança assumido pelo ex-presidente na conspiração: "As abundantes
evidências coletadas indicam que o grupo investigado, liderado por Bolsonaro,
desenvolveu e disseminou a falsa narrativa da existência de vulnerabilidade e
fraude no sistema eletrônico de votação desde 2019, com o objetivo de sedimentar na população a
falsa realidade da fraude eleitoral".
Foi justamente por esse motivo que o ex-presidente foi
julgado e condenado no STF em junho do ano passado sob a acusação de abuso de
poder político e uso indevido dos meios de comunicação, ao usar recursos
estatais convocou uma reunião de todos os embaixadores no Palácio da Alvorada
para desqualificar o sistema eleitoral brasileiro. Nesse julgamento, o
ex-presidente foi considerado culpado e inelegível por oito anos.
É importante notar que a definição de organização criminosa
se deve à existência de vários núcleos de ação voltados para a implementação
bem-sucedida do Golpe. Esses seis grupos seriam: 1) Núcleo de desinformação e
ataques ao sistema eleitoral cuja função era disseminar notícias falsas e criar
um ambiente propício ao Golpe; 2) Núcleo responsável por incitar e conquistar a
adesão dos militares às ações golpistas; 3) Núcleo legal para sustentar
legalmente o golpe; 4) Núcleo de apoio operacional, voltado para o planejamento
e execução de medidas para manter os manifestantes nos quartéis, organizar
mobilizações e direcionar a logística e o financiamento; 5) Um núcleo paralelo
de inteligência dedicado a coletar informações e monitorar os passos de Alexandre
de Moraes e outras autoridades; e 6) Um núcleo de oficiais de alta patente para
influenciar e incitar o apoio de outros setores das Forças Armadas.
É inegável o Plano de Matar Lula, Alckmin e Moraes (chamado
de Punhal Verde Amarelo), elaborado pelo ex-general Mario Fernandes (atualmente
preso) que foi impresso dentro da sede do governo (Palácio do Planalto) e
levado ao ex-presidente para sua aprovação. As cópias já foram amplamente
divulgadas pela imprensa. Esse plano previa o recrutamento de seis assassinos,
para os quais deveriam ser entregues seis novos celulares comprados com
identidades falsas.
Mais tarde, a PF descobriu que seis soldados haviam comprado
celulares recentemente e que com eles estavam acompanhando o ministro Moraes e
sua família para definir o melhor momento para sequestrá-lo e depois proceder
ao assassinato dele.
A polícia suspeita que esse assassinato não tenha sido
consumado, uma vez que estava condicionado ao decreto que Bolsonaro assinaria
para decretar o Estado de Sítio e dar o respaldo legal para que as Forças
Armadas fossem acionadas para ocupar as ruas e as principais instituições do
país. O projeto de lei do golpe havia sido apresentado alguns dias antes por
Bolsonaro aos três chefes das Forças Armadas, que, como sabemos agora, não
aderiram unanimemente à tentativa de golpe.
Diante de todas as evidências existentes, tanto Bolsonaro
quanto seus capangas insistem em afirmar que nada sabiam sobre esse plano
sedicioso e que as acusações contra o ex-presidente nada mais são do que uma
perseguição política desencadeada por seus inimigos. Isso me lembra uma cena do
filme "The Good Fellows", em que um assassino experiente ensinou a
uma jovem aspirante a organização criminosa as duas regras de ouro da máfia:
Nunca, mas nunca reconheça um crime e nunca traia as trupes.
Bolsonaro e a maioria de seus seguidores incondicionais
seguiram rigorosamente essa regra, embora alguns deles – como Mauro Cid –
tenham aceitado a oferta de delação premiada para reduzir suas penas, o que
atualmente está sob sigilo sumário. Em outras palavras, ainda faltam mais
detalhes desse plano frustrado e de todos os elementos que contribuem para esse
projeto ilegal e ilegítimo de permanecer no poder.
O trabalho realizado pela Polícia Federal é tão exaustivo,
escrupuloso e completo que parece totalmente improvável a desqualificação do
conjunto de argumentos e provas que constam de suas quase 900 páginas. Isso nos
leva a pensar que é improvável que Bolsonaro não seja sancionado devido ao peso
das informações incluídas no referido dossiê.
Mas, como dizemos no caput, o que falta para Bolsonaro ser
condenado e preso? Quais são os passos a seguir? Atualmente, o documento da PF
está nas mãos da Procuradoria-Geral da República (PGR), que terá que analisar
as acusações e decidir se protocola denúncia no Supremo Tribunal Federal, seja
de alguns dos 37 suspeitos ou de todos eles, se requerer novos procedimentos ou
se arquivar o processo por falta de provas.
Uma vez feita a denúncia pela PGR, os ministros do STF devem
decidir se a aceitam e, em caso afirmativo, os acusados se tornarão presos e
começarão a responder ao processo penal. Somente quando uma sentença final é
promulgada e não há possibilidade de recurso nos tribunais, os réus podem ser
considerados culpados.
A previsão dos especialistas é que todo esse processo pode
durar muito tempo, por isso uma condenação definitiva pode se arrastar por uma
década. Apesar de todas as informações acumuladas que incriminam os golpistas,
muitas etapas processuais podem dificultar a punição e prisão dos envolvidos:
intermináveis laudos periciais, centenas de testemunhas, despachos, audiências
conciliatórias, processos diversos, recursos, etc. Cenário preocupante.
Se a população não se mobilizar para acelerar os ritos
lentos usados pelo sistema judiciário, é provável que Bolsonaro e o resto dos
sediciosos permaneçam livres por um período insuportável, para continuar
conspirando contra a democracia brasileira.
*Doutor em Ciências Sociais. Editor do Blog Socialismo y
Democracia. Analista do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE, www.estrategia.la)
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