quinta-feira, 28 de novembro de 2024

O QUE FALTA PARA BOLSONARO SER PRESO ?

Fernando de la Cuadra*, Estrategia

No extenso e contundente relatório de 884 páginas elaborado pela Polícia Federal, conclui-se que o ex-presidente Jair Bolsonaro atuou como líder de uma organização criminosa que planejou um golpe de Estado para mantê-lo no poder depois que ele perdeu as eleições em outubro de 2022. E não só isso, os investigadores também descobriram que esse plano incluía o assassinato do candidato vencedor, Lula da Silva, de seu vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Em uma de suas partes, o documento afirma que "as provas obtidas ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, planejou, agiu e teve controle direto e efetivo dos atos executórios praticados pela organização criminosa que tinha como objetivo a realização de um golpe de Estado e a Abolição do Estado Democrático de Direito".

Pelo mesmo motivo, a Polícia Federal pede o julgamento de Bolsonaro e outras 36 pessoas principalmente por esses três crimes: Intenção de realizar um golpe de Estado; abolição violenta do Estado Democrático de Direito e formação de organização criminosa. De acordo com as investigações realizadas e extensas evidências, o golpe não teria sido consumado devido a "circunstâncias além da vontade do ex-presidente" e seus cúmplices.

A primeira delas é que eles não tinham o apoio do Comandante e da liderança do Exército, nem do Comandante e do primeiro escalão da Força Aérea. O único comandante que se dispôs a participar dessa articulação golpista foi o almirante Almir Garnier da Marinha, que colocou suas tropas à disposição do presidente e, de acordo com as conversas interceptadas, tinha o arsenal e os tanques da Marinha "prontos" para agir caso o presidente Bolsonaro solicitasse. Por esse motivo, Garnier está na lista de 37 indivíduos apontados como suspeitos na tentativa de golpe.

Em outro trecho da carta, pode-se confirmar o papel de liderança assumido pelo ex-presidente na conspiração: "As abundantes evidências coletadas indicam que o grupo investigado, liderado por Bolsonaro, desenvolveu e disseminou a falsa narrativa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação desde 2019,  com o objetivo de sedimentar na população a falsa realidade da fraude eleitoral".

Foi justamente por esse motivo que o ex-presidente foi julgado e condenado no STF em junho do ano passado sob a acusação de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, ao usar recursos estatais convocou uma reunião de todos os embaixadores no Palácio da Alvorada para desqualificar o sistema eleitoral brasileiro. Nesse julgamento, o ex-presidente foi considerado culpado e inelegível por oito anos.

É importante notar que a definição de organização criminosa se deve à existência de vários núcleos de ação voltados para a implementação bem-sucedida do Golpe. Esses seis grupos seriam: 1) Núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral cuja função era disseminar notícias falsas e criar um ambiente propício ao Golpe; 2) Núcleo responsável por incitar e conquistar a adesão dos militares às ações golpistas; 3) Núcleo legal para sustentar legalmente o golpe; 4) Núcleo de apoio operacional, voltado para o planejamento e execução de medidas para manter os manifestantes nos quartéis, organizar mobilizações e direcionar a logística e o financiamento; 5) Um núcleo paralelo de inteligência dedicado a coletar informações e monitorar os passos de Alexandre de Moraes e outras autoridades; e 6) Um núcleo de oficiais de alta patente para influenciar e incitar o apoio de outros setores das Forças Armadas.

É inegável o Plano de Matar Lula, Alckmin e Moraes (chamado de Punhal Verde Amarelo), elaborado pelo ex-general Mario Fernandes (atualmente preso) que foi impresso dentro da sede do governo (Palácio do Planalto) e levado ao ex-presidente para sua aprovação. As cópias já foram amplamente divulgadas pela imprensa. Esse plano previa o recrutamento de seis assassinos, para os quais deveriam ser entregues seis novos celulares comprados com identidades falsas.

Mais tarde, a PF descobriu que seis soldados haviam comprado celulares recentemente e que com eles estavam acompanhando o ministro Moraes e sua família para definir o melhor momento para sequestrá-lo e depois proceder ao assassinato dele.

A polícia suspeita que esse assassinato não tenha sido consumado, uma vez que estava condicionado ao decreto que Bolsonaro assinaria para decretar o Estado de Sítio e dar o respaldo legal para que as Forças Armadas fossem acionadas para ocupar as ruas e as principais instituições do país. O projeto de lei do golpe havia sido apresentado alguns dias antes por Bolsonaro aos três chefes das Forças Armadas, que, como sabemos agora, não aderiram unanimemente à tentativa de golpe.

Diante de todas as evidências existentes, tanto Bolsonaro quanto seus capangas insistem em afirmar que nada sabiam sobre esse plano sedicioso e que as acusações contra o ex-presidente nada mais são do que uma perseguição política desencadeada por seus inimigos. Isso me lembra uma cena do filme "The Good Fellows", em que um assassino experiente ensinou a uma jovem aspirante a organização criminosa as duas regras de ouro da máfia: Nunca, mas nunca reconheça um crime e nunca traia as trupes.

Bolsonaro e a maioria de seus seguidores incondicionais seguiram rigorosamente essa regra, embora alguns deles – como Mauro Cid – tenham aceitado a oferta de delação premiada para reduzir suas penas, o que atualmente está sob sigilo sumário. Em outras palavras, ainda faltam mais detalhes desse plano frustrado e de todos os elementos que contribuem para esse projeto ilegal e ilegítimo de permanecer no poder.

O trabalho realizado pela Polícia Federal é tão exaustivo, escrupuloso e completo que parece totalmente improvável a desqualificação do conjunto de argumentos e provas que constam de suas quase 900 páginas. Isso nos leva a pensar que é improvável que Bolsonaro não seja sancionado devido ao peso das informações incluídas no referido dossiê.

Mas, como dizemos no caput, o que falta para Bolsonaro ser condenado e preso? Quais são os passos a seguir? Atualmente, o documento da PF está nas mãos da Procuradoria-Geral da República (PGR), que terá que analisar as acusações e decidir se protocola denúncia no Supremo Tribunal Federal, seja de alguns dos 37 suspeitos ou de todos eles, se requerer novos procedimentos ou se arquivar o processo por falta de provas.

Uma vez feita a denúncia pela PGR, os ministros do STF devem decidir se a aceitam e, em caso afirmativo, os acusados se tornarão presos e começarão a responder ao processo penal. Somente quando uma sentença final é promulgada e não há possibilidade de recurso nos tribunais, os réus podem ser considerados culpados.

A previsão dos especialistas é que todo esse processo pode durar muito tempo, por isso uma condenação definitiva pode se arrastar por uma década. Apesar de todas as informações acumuladas que incriminam os golpistas, muitas etapas processuais podem dificultar a punição e prisão dos envolvidos: intermináveis laudos periciais, centenas de testemunhas, despachos, audiências conciliatórias, processos diversos, recursos, etc. Cenário preocupante.

Se a população não se mobilizar para acelerar os ritos lentos usados pelo sistema judiciário, é provável que Bolsonaro e o resto dos sediciosos permaneçam livres por um período insuportável, para continuar conspirando contra a democracia brasileira.

*Doutor em Ciências Sociais. Editor do Blog Socialismo y Democracia. Analista do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE, www.estrategia.la)

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