domingo, 17 de novembro de 2024

O SURTO TERRORISTA ESTÁ AÍ

Elio Gaspari, O Globo

Em dezembro de 2022, George Washington de Oliveira Souza pretendia explodir um caminhão de combustível perto do aeroporto de Brasília. Esse cidadão havia comprado seis armas de fogo e disse que tinha explosivos guardados. Durante os primeiros dias de 2023, convocava-se gente para o que seria a “Festa da Selma”, em Brasília. A 8 de janeiro, centenas de pessoas invadiram e depredaram o Supremo Tribunal Federal, o Congresso e o Palácio do Planalto.

No início do segundo semestre deste ano, pipocaram pelo país incêndios em matas, e a Polícia Federal abriu pelo menos 85 inquéritos para investigar suas causas criminosas.

Finalmente, na quarta-feira passada, Francisco Wanderley Luiz atirou uma bomba caseira diante do Supremo Tribunal Federal (STF) e em seguida explodiu-se. O cidadão tinha militância política e em 2020 disputou uma cadeira de vereador em Rio do Sul (SC), conseguindo 98 votos.

Há um surto terrorista no país. À primeira vista, é difuso. Francisco Wanderley, por exemplo, seria um “lobo solitário”. As investigações dirão se tinha cúmplices.

Infelizmente muitas investigações nacionais são barulhentas ao serem anunciadas e silenciosas ao definhar. Até hoje não apareceram as conexões dos suspeitos pelos incêndios criminosos, muito menos os patrocinadores da greve de caminhoneiros de 2018.

As mensagens trocadas em janeiro de 2023 mostram que centenas de pessoas discutiam a “Festa da Selma”. Nem todas invadiram os palácios, e o inquérito do ministro Alexandre de Moraes revelou-se exemplar encarcerando culpados. Caso raro de eficácia.

A presença do surto terrorista, difuso ou não, traz consigo o perigo da culpabilização por associação. Uma pessoa que tenha ideias parecidas com a de um terrorista seria também um criminoso. Esse tipo de atitude aumenta a tensão política, embaralha as investigações e, em última análise, ajuda os terroristas.

Fechando-se o foco, neutralizam-se os delinquentes. Abrindo-o, amplia-se a rede de simpatizantes.

Às 12h30m do dia 22 de dezembro de 1963, o presidente John Kennedy teve o crânio explodido em Dallas.

Às 13h22m a polícia chegou à janela de onde o assassino havia atirado e encontrou seu rifle. Minutos depois, a quilômetros de distância, o suspeito foi preso.

Chamava-se Lee Oswald, havia vivido na União Soviética e correspondia-se com o Partido Comunista dos Estados Unidos. Dois meses antes, no México, esteve nas embaixadas de Cuba e URSS.

Raciocinando-se por associação, a Terceira Guerra Mundial teria começado no dia seguinte.

Tudo o que Lee Oswald havia feito na vida tinha dado errado, menos uma coisa.

Anistia foi a pique

O projeto que pretende anistiar a turma do 8 de janeiro foi a pique.

Para quem está trancado, resta torcer para que vá adiante uma ideia do cacique Valdemar Costa Neto, presidente do PL. Ele aposta em algum tipo de advocacia auricular que consiga, do próprio Supremo Tribunal Federal, uma redução das penas dos condenados.

Collor condenado

De um conhecedor dos labirintos do governo de Fernando Collor (1990-1992), ao saber que o STF manteve sua condenação a 8 anos e 10 meses de cadeia, restando-lhe apenas um recurso em liberdade:

“Ele se manda.”

Gritzbach deixou um pista

Oito dias antes de ser fuzilado no aeroporto de Guarulhos, Vinicius Gritzbach deu uma pista preciosa ao Ministério Público. Contou que um operador do Primeiro Comando da Capital (PCC) era sócio de um policial em um banco digital.

Quadrilhas não têm CNPJ, nem são obrigadas a identificar seus sócios, mas os bancos digitais seguem normas do Banco Central e seus donos são identificados.

Se Gritzbach estava falando a verdade, a força-tarefa que investiga sua execução poderá chegar a um braço financeiro do PCC, com suas operações.

O crime é federal

Referindo-se à execução de Gritzbach, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, disse que “num primeiro momento, não existe nenhuma ideia de federalizar esse caso.”

Sabe-se lá quando virá o segundo momento, mas o empresário fuzilado era um réu confesso e tinha relações milionárias com o Primeiro Comando da Capital. O combate às organizações criminosas metidas em tráfico de drogas é crime federal. Além disso, o PCC, ao contrário de alguns “bondes nordestinos”, tem jurisdição nacional.

Se o Federal Bureau of Investigation americano respeitasse melindres estaduais, a Máfia iria bem, obrigado.

Controle de gastos

Em 1889, o dia de hoje também era domingo. Na madrugada, a família imperial foi embarcada para o desterro. Deposto, D. Pedro II exclamou:

“Os senhores são uns doidos.”

Dias depois, Rui Barbosa, o novo ministro da Fazenda, anunciou que a República havia concedido ao velho monarca uma doação de 5 mil contos.

Era a primeira falsa expectativa de um ministro da Fazenda da República. D. Pedro II havia recusado o mimo.

(Na sua última semana, o Império discutiu um crédito de 6 mil contos para a seca do Norte do país.)

Rubio, Trump e Cuba

A escolha de Marco Rubio para o cargo de secretário de Estado no governo de Donald Trump manda um sinal de perigo para o regime cubano.

Rubio é filho de cubanos humildes que migraram para a Flórida. Em 2009, ele disse que seus pais deixaram o país em 1959, depois da tomada do poder por Fidel Castro. Falso, eles deixaram Cuba em 1956, durante o governo de Fulgencio Batista. Fidel Castro e seus 74 expedicionários só zarparam do México a bordo de um pequeno iate em novembro.

Nesses dias, Fidel e seu irmão Raul diziam que não eram comunistas e esperavam por levantes em Cuba. Só entraram em Havana dois anos depois.<EP,1>Rubio nasceu em 1971 e fez uma bem-sucedida e habilidosa carreira política.

O declínio da qualidade de vida em Cuba, com apagões e falta de divisas, deverá levar Trump a apertar os parafusos contra o regime.

Cuba tem um especial atrativo para Trump. Se a propriedade privada for restabelecida em Cuba, a ilha terá uma explosão de bons negócios imobiliários.

Campos Neto falou demais

Salvo na roupa que vestiu no dia da eleição presidencial, o doutor Roberto Campos Neto passou pela presidência do Banco Central medindo suas palavras com propriedade. Perto da hora de deixar a cadeira, errou a mão.

Tratando da PEC que altera o regime de jornadas de trabalho disse que ela “é bastante prejudicial para o trabalhador, porque vai aumentar o custo do trabalho e elevar a informalidade.”

Pode estar inteiramente certo, mas não compete ao presidente do Banco Central dar aulas de economia ao Congresso Nacional.

A partir de janeiro, poderá dizer o que quiser, e terá quem o ouça.
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