sábado, 2 de novembro de 2024

O TERROR DO ATAQUE AO CAPITÓLIO

Fareed Zakaria, O Estado de S. Paulo

Instituições americanas podem não resistir a uma nova tentativa de golpe

O pior do 6 de Janeiro foi ver o voto de 139 republicanos contra a certificação da eleição

Conforme a eleição se aproxima e as pessoas consideram os prós e os contras dos dois candidatos, tenho de confessar: para mim, um evento se destaca em luzes brilhantes, um acontecimento que não consigo esquecer: o dia 6 de janeiro de 2021. Não estou pensando muito na violência que eclodiu naquele dia, por mais terrível que tenha sido. Essas ações foram rapidamente condenadas por pessoas de todo o espectro político. Pelos democratas, é claro, mas também pelos republicanos, como o então líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, o senador Ted Cruz, a ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley e o senador Lindsey Graham.

Para mim, o aspecto mais assustador do que aconteceu no 6 de Janeiro não foi o evento fora do Capitólio, mas o que aconteceu dentro dele – depois que a ordem foi restaurada. A Câmara se reuniu novamente naquela noite para certificar os resultados das eleições enviados pelos Estados. Lembre-se, isso foi depois que dezenas de objeções em muitos Estados foram consideradas e rejeitadas e dezenas de processos judiciais foram arquivados e rejeitados. Depois que todos esses procedimentos legais foram seguidos, após um ataque violento ao Capitólio, Donald Trump e seus aliados ainda instaram seus apoiadores a rejeitar os resultados, rejeitar o colégio eleitoral e, na prática, anular a eleição. E a maioria dos republicanos da Câmara – 139 deles – prontamente consentiu e votou contra a certificação da eleição. Se tivessem votos suficientes, bem, não sabemos o que teria acontecido.

VICE. Não vamos esquecer também que Trump pressionou seu vice-presidente, Mike Pence, a abusar do seu papel como aquele que presidia a contagem dos votos do colégio eleitoral. Esse trabalho, explicitamente estabelecido na Constituição, é cerimonial. Trump queria que Pence alegasse, pela primeira vez na história americana, que tinha autoridade para rejeitar votos do colégio eleitoral, destacando o papel dele a tal ponto que a multidão do lado de fora do Capitólio gritou: “Enforquem Mike Pence!”

Trump atacou repetidamente seu vice nas redes sociais. Se Pence tivesse feito o que Trump pediu, os EUA teriam enfrentado uma crise constitucional, e não está claro se Joe Biden teria assumido o cargo duas semanas depois. Como George W. Bush disse a respeito daquele dia: “É assim que os resultados das eleições são contestados em uma república de bananas”.

Vale a pena repetir essa história porque, às vezes, na vida, uma única escolha em um momento crucial revela caráter. Líderes nacionais frequentemente enfrentam esses testes em maior ou menor magnitude – Mikhail Gorbachev decidiu não usar a força para manter unido o império soviético, Lyndon B. Johnson apoiou projetos de lei de direitos civis, embora soubesse que isso destruiria a base democrata no Sul, Al Gore aceitou educadamente a controvertida decisão da Suprema Corte concedendo a eleição de 2000 a Bush.

Trump enfrentou tal teste e foi reprovado – enquanto Pence, vale a pena notar, foi aprovado com louvor. Não só isso: Trump nunca demonstrou um momento de dúvida ou remorso quanto a pedir ao Congresso e ao seu vice a anulação da eleição. Na verdade, ele continuou desejando que eles tivessem encontrado alguma maneira de deixá-lo no poder.

FAVORES. Conforme a base de Trump rapidamente retornou a ele e seu apoio cresceu, muitos dos que denunciaram a violência reverteram o curso e voltaram para seu movimento. Bilionários que se manifestaram por uma questão de consciência ficaram em silêncio por um tempo, e então encontraram o caminho de volta para Mar-aLago, esperando obter favores de um homem que era cada vez mais o favorito republicano. Alguns ainda condenam a violência, e até desejam que Trump tivesse feito mais para impedi-la, mas não dizem nada a respeito da ação no centro daquele dia: uma tentativa de anular uma eleição livre e justa.

O pai da Constituição dos EUA, James Madison, construiu um sistema no qual havia muitos freios e contrapesos para evitar o acúmulo de poder ou a ascensão de um ditador. “Se os homens fossem anjos, nenhum governo seria necessário”, dizia. Mas Madison entendeu que não era suficiente criar instituições. Ele explicou que esperava “que o povo tivesse virtude e inteligência para selecionar homens de virtude e sabedoria”. “Nenhum freio teórico, nenhuma forma de governo pode nos deixar seguros.”

Talvez estejamos prestes a embarcar em um experimento para ver se nossas instituições, freios e contrapesos, podem se sustentar, mesmo quando os líderes se esforçam ao máximo para subvertê-los.

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