Um pacote de R$ 70 bilhões não é desprezível, mas não
deverá ser suficiente para reduzir significativamente as incertezas sobre as
contas públicas
O governo deverá enfim anunciar nesta semana as medidas de
contenção de gastos, após seguidos adiamentos. A expectativa é que as
iniciativas poupem em torno de R$ 70 bilhões em dois anos, dos quais R$ 25
bilhões a R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026. Pelo que tem dito o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a lógica é que a dinâmica das despesas
obrigatórias caiba dentro do arcabouço fiscal. Em 15 de novembro, ele afirmou
“que a ideia é fazer com que as partes não comprometam o todo, e o arcabouço
tenha sustentabilidade de médio e longo prazo, que é a dúvida do mercado”. Um
pacote dessa magnitude não é desprezível, podendo levar a algum alívio no
câmbio e nos juros de longo prazo, mas não deverá ser suficiente para reduzir
significativamente as incertezas sobre as contas públicas.
O problema é que as regras do arcabouço
fiscal em si são frouxas, e não garantem a estabilização da dívida pública como
proporção do PIB num horizonte minimamente razoável. A dúvida de quem acompanha
de perto a situação fiscal do país vai além do cumprimento das regras do
arcabouço - que já teve a sua credibilidade arranhada com menos de um ano de
vigência. A meta de resultado primário (não inclui gastos com juros) de 2024
tende a ser atingida com o uso da banda de tolerância de 0,25 ponto percentual
do PIB. Em vez de déficit zero, o rombo deve ficar torno de 0,25% do PIB, com a
exclusão de algumas despesas, como os gastos para combater os efeitos das
enchentes no Rio Grande do Sul. Além disso, o alvo de 2025 foi reduzido de um
superávit de 0,5% do PIB para zero.
O arcabouço prevê um crescimento anual das despesas do
governo central entre 0,6% e 2,5%, descontada a inflação, exigindo um forte
aumento de receitas para que as metas sejam cumpridas. Os economistas Gabriel
Hartung e Mario Carvalho, da SPX, apontam a lentidão do ajuste embutido no novo
regime fiscal. Em artigo para o Blog do Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), eles estimam a melhora do resultado
primário com o arcabouço em cerca de 0,15% do PIB por ano. Como avaliam ser
necessário um superávit na casa de 2% do PIB para estabilizar a dívida pública,
é um ritmo muito lento.
Para chegar a esses 2% do PIB, eles consideram um
crescimento médio do PIB de 2% ao ano e um juro real de 4,75%, a estimativa do
Banco Central (BC) para a chamada taxa neutra, aquela que permite a expansão da
economia sem acelerar a inflação. Hartung e Carvalho ressaltam que esse número
calculado pelo BC é bem mais baixo que os juros refletidos nos preços de
mercado. As taxas dos títulos do Tesouro atrelados à inflação com vencimento em
2045 e 2050, por exemplo, fecharam sexta-feira em torno de 6,75% ao ano. Em
resumo, uma melhora anual de 0,15% do PIB do resultado primário leva a um
ajuste fiscal muito demorado, dizem eles. Para os economistas da SPX, deve
haver um déficit de 0,5% do PIB em 2024, com o rombo crescendo para 0,9% do PIB
em 2025.
As medidas a serem anunciadas pelo governo devem tentar
adequar o crescimento dos gastos obrigatórios ao ritmo previsto no arcabouço,
de alta anual de 0,6% a 2,5% acima da inflação. Uma das iniciativas em estudo é
limitar o reajuste do salário mínimo, que impacta benefícios previdenciários e
assistenciais, a um máximo de 2,5%. Hoje, o piso salarial é corrigido pela
inflação do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos antes - o mínimo
de 2025, por exemplo, seria reajustado pela soma dos índices de preços de 2024
e mais 2,9%, o crescimento em 2023. Também há, contudo, o aumento vegetativo de
beneficiários da Previdência, em torno de 2% ao ano, como dizem os economistas
da SPX. Pela regra atual, o reajuste real do salário mínimo nos próximos anos
ficaria em torno de 3%, o que, combinado ao aumento de 2% do número de
beneficiários, levaria a um “crescimento real de 5% dos gastos previdenciários
e assistenciais indexados ao salário mínimo”, afirmam Hartung e Carvalho. Se o
limite de correção do mínimo cair para 2,5%, o conjunto dessas despesas
crescerá menos, mas ainda deverá ficar em torno de 4,5% ao ano, continuando
bastante acima do teto da banda do arcabouço.
Outro problema é que as despesas com saúde e educação
voltaram a estar vinculadas à arrecadação no novo regime fiscal. Nesse cenário,
esses gastos “crescem a uma taxa de 100% do crescimento da receita, enquanto o
mecanismo do arcabouço prevê um crescimento da despesa primária total a uma
taxa de 50% ou 70%” do ritmo da arrecadação, observam os economistas da SPX. As
medidas a serem anunciadas pelo governo não devem mexer nas regras de correção
dos gastos com saúde e educação.
Esses dois pontos - a vinculação dos benefícios
previdenciários e assistenciais ao mínimo e as despesas com saúde e educação à
receita - “tornam o arcabouço inviável no longo prazo”, por comprimir as
despesas não obrigatórias do Executivos para níveis historicamente baixos, o
que pode “levar a regra a uma exaustão política, em processo similar ao
ocorrido com o teto de gastos”, dizem Hartung e Carvalho.
Os dois economistas observam que as medidas em discussão não
alteram o limite global para as despesas primárias, já definido pelo mecanismo
do arcabouço. Nesse sentido, as iniciativas a serem anunciadas não melhoram o
resultado primário, dizem eles. Elas podem abrir espaço para os gastos não
obrigatórios, ajudando a evitar o estrangulamento da máquina pública, mas não
são suficientes para estabilizar a dívida. Pelas contas apresentadas no artigo,
mesmo se o governo mantiver o arcabouço fiscal funcionando, isso não seria
suficiente para manter estável a relação dívida/PIB nos próximos dez anos - o
endividamento bruto, que ficou em 78,3% do PIB em setembro, atingiria 102% do
PIB em 2034.
Nesse quadro, o pacote de contenção de gastos não deverá
diminuir substancialmente as incertezas fiscais, mesmo que torne mais viável o
cumprimento das regras do arcabouço.
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