Antes mesmo de conter descrédito fiscal, governo se
obriga a caçar mais receita, a fim de bancar novo IR
A preocupação do governo Lula de
evitar danos de imagem com o plano de contenção de gastos é muito maior do que
se imaginava. É tamanha que ministros não se importaram de dizer que a isenção
do IR para quem ganha até R$ 5 mil seria amarrada no dito pacote
fiscal. Com o novo IR, o governo terá de caçar receita em volume equivalente ao
que talvez economize com o pacote. O governo não se deu conta de quanto pode
minar as chances de ter dólar, juros e inflação menores em 2025.
O que vai entrar por uma porta pode sair pela outra: o
governo pode mostrar que foi "duro"
com os mais ricos também. Mas logo pode ver os mais pobres padecerem os
efeitos práticos do descrédito fiscal, como inflação em alta, o pior, ou
crediário mais caro, economia esfriando
etc.
Em resumo, o governo contratou um problema
novo para 2025 antes mesmo de começar a atenuar as dificuldades já evidentes em
2024: a descrença na sobrevivência
do arcabouço fiscal até 2026.
A parte menos imprevisível do pacote dependeria, é claro, de
aprovação do Congresso. Quem sabe ficasse para o início de 2025, uma incerteza
(o que vai ser aprovado) dentro da outra (quando vai ser aprovado). Agora, o
governo corre para a beira do precipício em tempos de névoa. O precipício: ter
de arrumar ainda mais receita nova para 2025 quando não sabe nem ao menos como
tapar o rombo fiscal já evidente. A névoa: o mundo também econômico vai ficar
um lugar muito mais perigoso sob Donald Trump.
A isenção do IR demandará no mínimo compensações de R$ 35
bilhões a R$ 45 bilhões —isso se houver mudança sensata na tabela de valores ou
também de alíquotas do IR para pessoas de renda maior. É quase o tamanho da
contenção de despesa prevista para o pacote de 2024.
De onde vai vir a compensação? De imposto sobre mais ricos?
Seria bom. O Congresso vai aprovar? Parlamentares ficam muito mais felizes em
dar dinheiro do que de cobrar. Vai funcionar? Mudança de alíquota não tem
sempre resultado previsível na arrecadação. Os contribuintes adotam estratégias
tributárias ou de negócios de modo a evitar impostos maiores (legalmente, neste
caso. Não se trata aqui de fraude, que também existe claro).Ou seja: a perda de
receita com a isenção do IR é certa. O aumento da arrecadação, não.
O problema maior não é, claro, o paniquito
nos mercados financeiros, dólar e juros dando passeios em novas alturas da
estratosfera neste ou naquele dia ou semana. A depender do dia depois
de amanhã, os preços podem até refluir. A questão é como lidar com o fato
elementar de que haverá novos problemas para resolver a fim de evitar
descrédito maior do arcabouço fiscal e de conter a crença de que a dívida
pública crescerá sem limite. Trocando em miúdos grossos, trata-se de evitar que
dólar e taxas de juros aumentem de modo crítico.
Há meios de fazer com que as coisas funcionem. O crescimento
da economia neste ano pode ser maior do que os 3,3% ora previstos pelo ministério
da Fazenda. Os economistas do Bradesco divulgaram sua revisão de cenário
nesta quarta-feira: alta do PIB de 3,5% neste 2024 e de ainda razoáveis 2,4% em
2025 (de 2017 a 2019, pós-recessão e antes da epidemia, média de 1,4% ao ano).
A receita de impostos aumenta. Poderia ser um momento de tranquilidade fiscal,
de contenção da dívida pública, que, no entanto, sobe sem controle. Pode ser,
porém, um momento de realimentação do mal estar.
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