Discussão sobre a semana de trabalho pegou de surpresa a
esquerda e a direita no país e tende a ignorar a atual polarização política
A redução da jornada de trabalho é um tema antigo, bastante
discutido e vem sendo implementada em países há décadas. Voltou à discussão no
Brasil, porém, com a apresentação da PEC da deputada Erika Hilton (PSOL-SP),
propondo diminuição da escala de dias de trabalho e descanso de 6x1 para 4x3.
O tema remete à memória do sociólogo italiano Domenico De
Masi (1938-2013), que em 1995 lançou na Europa o livro “O Ócio Criativo”,
traduzido para o português quatro ou cinco anos mais tarde. De Masi combatia a
ideia de que o ócio seria associado à preguiça e à improdutividade e o
considerava essencial para o florescimento da criatividade e do bem-estar das
pessoas. Assim como já teria ocorrido no passado, o ócio contribuiria para
avanços na ciência, na arte, na tecnologia e na própria economia em geral.
O livro de De Masi foi um best seller mundial - era
revolucionário naquele fim de século XX. No Brasil, a obra também fez sucesso,
e o sociólogo “adotou” o país, a ponto de lançar um novo livro primeiramente em
português.
No início de 2013, o Brasil vivia uma
euforia econômica, enquanto a Europa e outros países desenvolvidos passavam por
momentos difíceis. De Masi, em visita ao país, disse acreditar que o Brasil
seria um grande protagonista no novo modo de vida que propunha, porque estava
em crescimento, reduzindo distâncias sociais e distante de guerras. A previsão
nunca se confirmou.
Segundo reportagem da época, da jornalista Marília Arantes,
ele fazia apenas um alerta, sobre o desemprego. Lembrava que as novas
tecnologias e inovações reduziam a necessidade do trabalho e, por isso, seria
necessário reduzir também as horas de trabalho para todos: “Se não, o pai vai
trabalhar dez horas por dia e o filho vai ficar desempregado”.
O sociólogo foi criticado por duas razões. Primeiro, porque
a proposta do ócio criativo parecia elitista, atendendo mais às classes de
renda alta e menos ao operariado. Segundo, porque o autor não avançava em
propostas de reestruturação do trabalho na sociedade capitalista para que as
mudanças não provocassem grandes danos à produção e à produtividade.
Os defensores da escala do 6x1 argumentam que ao reduzir a
semana de trabalho para 4x3 haveria queda de produtividade, aumento de custos
para os negócios, elevação de preços para os consumidores, prejuízo para as
empresas e trabalhadores e, em consequência, redução de empregos e salários.
Em artigo no Valor na semana passada
(21/11), o professor Pedro Gomes, da University of London, sugeriu que, em
função da abrangência da discussão da escala 4x3, a análise da questão deveria
ser mais profunda.
De fato, dadas as mudanças estruturais na economia e na
sociedade, com seguidos avanços tecnológicos, os benefícios de uma semana de
quatro dias de trabalho parecem ser maiores hoje do que 50 anos atrás, quando o
prêmio Nobel Paul Samuelson a considerou uma “invenção social decisiva”. Gomes
lembra que graças ao espírito empreendedor associado ao tempo livre nasceram
empresas como Ford, Apple e Nike.
É oportuno lembrar também a capacidade de adaptação da
sociedade capitalista, recentemente testada na pandemia da covid-19. Diante da
morte de milhões de pessoas pelo mundo e do isolamento forçado de funcionários,
as corporações perceberam que muitos tipos de trabalho à distância (on-line)
traziam ganhos de produtividade. E o home office, em várias dimensões, parece
ter vindo para ficar.
Os defensores do fim do 6x1 argumentam que o aumento do
tempo para lazer, família, educação e cuidados pessoais amplia o bem-estar
físico e mental dos indivíduos. O que pode até resultar em aumento de
produtividade, uma vez que os funcionários estariam mais descansados e aptos ao
trabalho. Junte-se a isso a contribuição para combater o estresse e a “moderna”
síndrome de burnout, o esgotamento profissional provocado por situações de
trabalho desgastantes, muito comum atualmente nas empresas e com impacto importante
na produtividade.
Dados do INSS, de 2022, mostram que quase 210 mil pessoas
foram afastadas do trabalho em razão de transtornos mentais no país. No mundo,
segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 12 bilhões de dias de
trabalho são perdidos anualmente por esse problema, com custos estimados em US$
1 trilhão para a economia.
A discussão reavivada da semana de trabalho no país pegou de
surpresa a esquerda e a direita e tende a ignorar a atual polarização política.
A rejeição à mudança não pode ser guiada apenas com base em
um “modelo básico de introdução à economia”, utilizando os mesmos argumentos
dos economistas que criticaram a redução de jornada para oito horas no século
XIX, escreveu Pedro Gomes.
Também não parece razoável a adoção, por imposição
constitucional, de uma redução abrupta para o 4x3, pegando empresas e sociedade
despreparadas. Mesmo considerando que o impacto nos custos seria pontual e não
se repetiria no momento seguinte.
Talvez seja possível caminhar para uma alteração gradual,
com tempo para a sociedade se adaptar aos poucos à nova regra. Não se pode
negar, porém, que é desumano trabalhar seis dias por semana e folgar apenas um,
nem sempre em um domingo. Mais cedo ou mais tarde, o país terá de enfrentar
essa questão.
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