Trava à responsabilização das redes sociais no STF mantém
livre a avenida para a extrema direita a despeito do golpismo
Depois da explosão do homem-bomba a poucos metros do Supremo
Tribunal Federal e da operação-relatório da Polícia Federal sobre o golpismo
assassino, seria natural esperar um refluxo das notícias falsas nas redes
sociais e o acabrunhamento da extrema-direita e de seus sócios bem postos no
centrão da política. Só que não.
Neste início de semana divisora dos rumos do governo no
segundo biênio, não é uma coisa nem outra o que se divisa. A começar pelo
julgamento que está em pauta, no STF, sobre a responsabilização das plataformas
de internet e redes sociais pela veiculação de conteúdo falso e danoso.
Marcado para o dia 27, o julgamento pode nem mesmo começar,
tamanha a resistência oferecida pelas plataformas. Não apenas do X, de Elon
Musk, agora ainda mais poderoso depois da eleição de Donald Trump, mas de todas
as gigantes do setor, como Google, Meta e Microsoft.
É um julgamento que tem mobilizado o
comércio eletrônico, setores da indústria e das finanças que temem o efeito
multiplicador da responsabilização sobre os ilimitados usos da inteligência
artificial. Valem-se de escritórios de advocacia bem relacionados na Esplanada,
nos tribunais superiores e no Congresso. E ainda oferecem a perspectiva de uma
porta giratória para carreiras em empresas globais. É quase um Estado que se
move quando esse setor resolve fazer lobby.
O que está em jogo é a constitucionalidade do artigo 19 do
Marco Civil da Internet. Este artigo é aquele que só permite a
responsabilização civil de provedores de internet, sites e redes sociais se
houver uma ordem judicial para a remoção de conteúdo.
Salvaguarda da liberdade de expressão, o artigo deu guarida
para a vicejante rede de ódio. Os atingidos são obrigados a pedir a retirada de
cada publicação danosa. Quando a decisão judicial sai, os robôs já espalharam
tantas outras. E assim vencem as guerras digitais.
Tome-se o exemplo da própria repercussão da
operação-relatório. O golpismo bolsonarista terminou a semana acabrunhado, com
brigas internas, próceres calados e o debate sobre a anistia do 8/1 em fogo
morto. Mas o chamado campo progressista decretou a morte do inimigo cedo
demais.
Deputados de grande audiência como Nikolas Ferreira (PL-MG)
e Gustavo Geyer (PL-GO) começaram a semana dando as cartas nas redes em defesa
do ex-presidente Jair Bolsonaro, contra o Supremo e na guerrilha para
desconstruir o relatório da PF, o trabalho da imprensa e os superpoderes do
ministro Alexandre de Moraes.
O tom agressivo das primeiras reações, vide o senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), cedeu espaço ora para a galhofa com as lacunas da operação
ora para uma argumentação de que haveria crime configurado. Saíram das cordas
depois do muxoxo com um Bolsonaro sempre mais interessado em salvar a própria
pele do que a dos outros.
O mal-estar dos herdeiros de Olavo de Carvalho com os
bolsonaristas-Centrão permanece no PL, mas não está claro que tenham para onde
ir. Indiciado, Valdemar Costa Neto, dá sinais de que não pretende abrir mão do
partido mesmo que volte para trás das grades. O Novo precisa atrair candidatos
com voto para escapar da cláusula de barreira de 2026, mas foi instalada uma
cancela por lá em grande parte controlada pelo deputado Ricardo Salles (SP). O
União quer atraí-los para reforçar seu peso numa federação com PP e
Republicanos, mas o governo vale-se do deputado Elmar Nascimento (União-BA)
para manter o partido por perto.
O rearranjo da extrema-direita passa pelo quadro de
candidatos em 2026, quando Bolsonaro quer repetir a estratégia do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, registrar chapa com o filho de vice em condições de
assumir quando a candidatura for indeferida.
Ainda que o quadro partidário permaneça confuso, o
importante, para a extrema-direita, será manter o eco no debate público. E,
para isso, precisa evitar a regulamentação das redes. Um compromisso maior das
plataformas pode até ser acordado mais adiante, mas terá se perdido esse
momento quente do debate que poderia empurrar um amplo “dever de cuidado”, como
se chama a obrigação de adotar precauções contra mensagens que induzam a
crimes, uma efetiva moderação de conteúdo e canais para denúncia. Foi em momentos
quentes, como na pandemia ou nos atentados nas escolas, que as redes acataram
uma boa moderação.
É claro que a extrema-direita não faz eco apenas porque tem
domínio das redes sociais. Seu sucesso também se deve ao fato de que o outro
lado não tem. A deputada federal Érika Hilton (Psol-SP) e o vereador eleito do
Rio, Rick Azevedo (Psol), engataram um bom debate com o fim da semana 6x1.
Estava na cara que a pauta teria dificuldade de tramitar
neste Congresso, mas serviu para virar a página do identitarismo e reconectar a
esquerda com o cotidiano da maioria. Despertou a ira da direita e a mobilização
das entidades empresariais, do governo e do Congresso. Mas assim como se
espraiou, refluiu.
Ainda não se conhece a íntegra do pacote fiscal por vir. Se
mexer mais no salário mínimo do que nas emendas parlamentares ou nos
supersálarios nem adianta tentar mobilizar. Mas se o pacote, como prometeu o
presidente, distribuir sacrifícios, não parece haver arregimentação capaz de
convencer que a medida é justa. Menos ainda para pressionar o Congresso a
aprová-lo.
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