Extremistas não querem conciliação, mas vingança contra
aqueles que seu líder máximo trata como traidores da pátria
Chama a atenção a desfaçatez com que os principais líderes
bolsonaristas, alguns dos quais estavam no Congresso na noite de quarta-feira e
puderam ouvir as explosões, rapidamente se puseram a minimizar a gravidade do
novo ataque à Praça dos Três Poderes, menos de dois anos depois do 8 de
Janeiro. Pudera. O ato, não importa se planejado por Francisco Wanderley Luiz
de forma isolada, explodiu não só um carro e seu perpetrador, mas a indecente
defesa da tal anistia para os golpistas de 2023 — que, na verdade, nunca teve a
ver com a preocupação legítima com aqueles que são réus ou já foram condenados,
mas com a vindoura fase da responsabilização dos financiadores, insufladores e
idealizadores das sucessivas tentativas de golpe urdidas por Jair Bolsonaro e
seus apoiadores.
Não que o roteiro traçado pelo ex-presidente e reverberado
por deputados e senadores a ele vinculados tivesse chance de prosperar. Mas o
sucesso eleitoral de alguns dos candidatos da direita, o crescimento da ala
mais estridente do bolsonarismo em câmaras municipais e, depois, a eleição de
Donald Trump nos Estados Unidos deram gás ao discurso de que os ventos sopravam
pela “conciliação” nacional.
O terrorista vestido de Coringa deixou
claro que os extremistas cujo ódio foi sistematicamente instilado ao longo de
muitos anos por Bolsonaro e pelos seus, mesmo antes de o capitão reformado
chegar à Presidência, não querem conciliação alguma, mas vingança contra
aqueles a quem seu líder máximo continua, até hoje, a tratar como traidores da
pátria e usurpadores da liberdade.
A fixação que o terrorista, que acabou morrendo na tentativa
de explodir o Supremo Tribunal Federal, tinha pelo ministro Alexandre de
Moraes, confirmada por seus familiares, não brotou do nada. Esse ódio vem sendo
instilado na veia dos adoradores de Bolsonaro por meio de redes sociais e
aplicativos de mensagem, e isso não cessou depois do 8 de Janeiro. Pelo
contrário: as postagens de Francisco Wanderley Luiz tratavam os golpistas do 8
de Janeiro pelo nome, colocando reparo naquilo que ele considerava insuficiente
em suas ações, num sinal claro de que o atentado de antes continua a inspirar
novos terroristas.
Os inquéritos que investigam diferentes momentos em que se
tramou contra as instituições e a democracia, muitos deles com Bolsonaro ainda
instalado na Presidência, estão próximos da conclusão. O ataque do Coringa não
mudará o desfecho das investigações, que implicará não só o capitão reformado
mas vários ex-ministros, militares que ocuparam postos-chaves em seu governo e
ocupantes de cargos em outros órgãos federais. Mas a ocorrência tira dos
porta-vozes da ideia de anistia o discurso de que as punições até aqui
determinadas pelo Judiciário e os processos que estão prestes a ser abertos
contra os do andar de cima seriam excessivos.
Se uma democracia transige com atos que atentam contra sua
própria existência, ela fenece. A frouxidão do ordenamento jurídico dos Estados
Unidos com eventos como a invasão do Capitólio, que resultou em cinco mortes,
certamente encorajou Donald Trump a dobrar a aposta na radicalização. Mesmo
condenado em processos de variadas naturezas e implicado na tentativa de golpe
contra o resultado das eleições de 2020, ele foi habilitado a concorrer e
governará nessa condição, com a possibilidade de tentar mudar as regras do jogo
democrático em benefício próprio.
Que o Brasil esteja sendo mais duro e menos complacente com
nossa versão tropical do golpismo trumpista é motivo para elogio ao STF, e não
para a obsessão de indispô-lo com a opinião pública e tentar manietá-lo,
manifestada por Bolsonaro e levada a cabo por seus aliados. Agora, essa pressão
perde força diante da evidência de que os lobos nada solitários, mas
teleguiados, estão por aí à espreita caso as instituições que têm de zelar pela
democracia cedam aos apelos por melar o jogo.
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