domingo, 22 de dezembro de 2024

LIRA SEQUESTROU ORÇAMENTO, ESCAPOU DA POLÍCIA E ESPREMEU GOVERNO ATÉ O FIM

Bernardo Mello Franco, O Globo

Às vésperas de deixar a cadeira, chefão da Câmara arrancou uma nova estatal em Alagoas

Está perto do fim o reinado de Arthur Lira. O chefão da Câmara passou quatro anos na cadeira. Sua gestão será lembrada pela aliança com o bolsonarismo, pela truculência e pelo sequestro do Orçamento.

Lira mandou e desmandou como nenhum antecessor. Para apitar sozinho, esvaziou as comissões, triturou o regimento e sufocou as vozes divergentes. À frente de uma Casa de debates, não hesitou em cortar o microfone e ameaçar deputados que ousaram questioná-lo

O alagoano chegou ao cargo em 2021, com apoio do então presidente Jair Bolsonaro. Em pouco tempo, tornou-se uma espécie de primeiro-ministro. Enquanto o capitão se dedicava a lives e motociatas, ele tomou conta da articulação política e da pauta econômica.

Para expressar sua gratidão, engavetou mais de 150 pedidos de impeachment. E manteve silêncio cúmplice sobre as investidas de Bolsonaro contra a democracia, a saúde pública e o sistema eleitoral.

Lira consolidou seu poder com o orçamento secreto. Passou a controlar a distribuição de bilhões de reais em emendas, sem transparência e sem rastreabilidade. Em vez de procurar os ministros, os deputados passaram a cortejá-lo em busca de verbas federais.

Ele acumulou tanta força que se reelegeu com votação recorde. Em fevereiro de 2023, foi ungido por 464 dos 513 deputados. Rendido, o novo governo petista nem se animou a lançar um candidato.

Pupilo de Eduardo Cunha, Lira também investiu na aliança com o poder econômico para se firmar no cargo. Pediu a bênção ao mercado financeiro, escancarou a porta para múltiplos lobbies e patrocinou operações controversas, como os jabutis que favoreceram termelétricas na privatização da Eletrobras.

No ano passado, a Polícia Federal apurou fraudes na compra de kits de robótica por prefeituras de Alagoas. A operação apreendeu papéis com aliados de Lira. Entre os registros, localizou uma lista de pagamentos em espécie a um certo Arthur. O caso foi remetido ao Supremo Tribunal Federal. O ministro Gilmar Mendes, sempre ele, anulou as provas e arquivou o inquérito.

A salvo da polícia, o chefão da Câmara espremeu o governo Lula. Para não sabotar os projetos do Executivo, impôs a nomeação de aliados e exigiu a chave da Caixa Econômica Federal. Às vésperas de deixar a cadeira, apadrinhou a criação da Companhia Docas de Alagoas, já conhecida como “a estatal do Lira”.

O episódio mostra que o Planalto errou ao apostar que o deputado chegaria enfraquecido ao fim do reinado. Além de manter o controle do plenário, ele deve emplacar o sucessor, Hugo Motta, com facilidade. A ver se continuará a mandar na partilha das emendas parlamentares.

Na noite de quinta, Lira deu mais uma demonstração de poder. Deputados de diferentes partidos, do PL ao PT, revezaram-se no microfone para bajulá-lo. Depois de ouvir 18 discursos laudatórios, ele disse que não vê problema em voltar ao “chão de fábrica”, mas informou estar pronto para “qualquer outra situação”. “Nós não encerramos nenhum ciclo aqui. Sempre nos renovamos”, avisou.

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