Que tal nossas autoridades da área de educação criarem
projetos corajosos, ousados, como os de países que, em diferentes fases da
história e em diferentes lugares do planeta, praticando diferentes regimes
políticos, fizeram grandes revoluções educacionais e mudaram radicalmente para
melhor?
Toda vez que comento notícias, lamentando o decréscimo do
hábito de leitura no Brasil, tenho a sensação de estar perdendo tempo e
enganando meu interlocutor. É elementar: só podemos perder um hábito que temos,
não um que nunca tivemos. Quem nunca fumou não tem como parar de fumar. Quem
nunca leu não pode deixar de ser leitor. E, com as devidas desculpas aos que
afirmavam o contrário, no Brasil o hábito de leitura, como se diz, "não
pegou". Nunca.
Com exceção de meia dúzia de leitores teimosos, entre os
quais se inclui o punhado de amigos que me leem, no Brasil não se lê. Estou
falando, evidentemente, de ler como hábito, como vício, como dependência, estou
falando de ler livros inteiros e entender o que se lê, de absorver, assimilar o
escrito, como falava Antonio Cândido, e só, então, questionar o escrito, não
passar os olhos e redigir um comentário idiota, demonstrando despreparo e
ignorância. Falo de ler sendo letrado, não apenas alfabetizado. Desse tipo de
leitores, temos poucos. Apesar dos esforços de meia dúzia de valentes
batalhadores pela democratização do saber. O fato é que não somos um país de
letrados. E, como sempre, a história ajuda a explicar por quê.
Para início de conversa, nossos "descobridores",
os queridos portugueses, quando utilizavam nosso território como colônia,
impuseram uma série de limitações culturais aos brasileiros, entre as quais a
proibição de disporem de máquinas impressoras de livros. Assim, apenas no
início do século 19, quando a América espanhola tinha universidades havia três
séculos e graças a Napoleão Bonaparte (que fez a família real fugir de Portugal
e se instalar no Brasil), é que se criou a Imprensa Régia e livros começaram a
ser confeccionados em nosso país! Até então, eles tinham que ser importados, o
que implicava em onerá-los e limitar sua circulação.
Por outro lado, não havia grande demanda por livros, pois a
leitura não era estimulada, nem a laica, nem a religiosa, uma vez que uma das
funções dos sacerdotes católicos era a de explicar as questões religiosas que
importavam, para que o fiel não tivesse motivos para investigar, por conta
própria, e eventualmente questionar o próprio poder da verdade única. Nem a
Bíblia se estudava. Decorava-se apenas algumas rezas e obedecia aos sacerdotes.
Afinal, a verdade única era a da Igreja. Para quem insistisse em ter visões
diferentes da oficial, havia a Santa Inquisição com seus instrumentos de
tortura e fogueiras. Assim, eram tratados os candidatos a dissidentes.
Pouca gente lia. Além de saber decifrar a escrita (algo raro
por aqui), era necessário ter grande dose de curiosidade intelectual e possuir
dinheiro para importar livros. Ser leitor no Brasil durante o período colonial
não era para qualquer um.
E continuou assim, mesmo no século 19, a época dos nossos
Pedros, o I e o II. O enorme contingente de negros escravizados raramente era
alfabetizado, o mesmo acontecendo com os numerosos membros de grupos indígenas,
também marginalizados. Mesmo para o restante da população brasileira não havia
programas consequentes de acesso às letras neste território em que os cartórios
e o bacharelismo improdutivo davam as cartas. A cultura oral prevalecia em
detrimento de conhecimentos mais estruturados que dessem conta de, pelo menos,
buscar compreender os avanços científicos e culturais dos quais o século 19 era
pródigo.
Lembro-me sempre da narrativa que, no livro didático que
minha classe utilizava, falava da República proclamada por Deodoro da Fonseca
diante do povo abestalhado, que sequer entendia o que estava acontecendo. Claro
que os militares sabiam muito bem o que estavam fazendo, mas a população
presenciando a história sem entendê-la é um retrato da relação entre os poucos
poderosos e a "plebe rude", que não somente não era chamada a se
manifestar, mas sequer se dava conta do que se falava. Este era o Brasil no
final do século 19.
Na República, tivemos, finalmente, momentos iluminados, com
alguns políticos e um punhado de educadores entendendo que da quantidade se
obtém a qualidade e que era preciso dar oportunidade a todos para que o país
pudesse crescer e ter gente qualificada em diferentes áreas, seja na esportiva,
na artística, nas ciências e nas letras, na administração privada e na pública.
Ao longo do século 20, o país se urbanizou, modernizou-se, ganhou salas de aula
nas cidades e privadas nas casas, mas, a despeito dos esforços de educadores do
porte de uma Magda Soares, não avançou muito nos hábitos de leitura.
Nunca se leu muito neste país, essa é a triste verdade. E
sempre se leu mal, como se a ignorância, uma vez assumida, pudesse valer como
se fosse um título honorífico. Não é. A fase de mostrar músculos
poderosos ficou para trás. Agora o mundo é dos que sabem. Parece que ainda não
nos demos conta disso. Que tal nossas autoridades da área de educação criarem
projetos corajosos, ousados, como os de países que, em diferentes fases da
história e em diferentes lugares do planeta, praticando diferentes regimes políticos,
fizeram grandes revoluções educacionais e mudaram radicalmente para
melhor?
*Historiador, doutor e livre docente da USP, professor
titular da Unicamp e escritor
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