A ocupação da Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro
não pode ser vista seriamente como uma tentativa de golpe
A tentativa de golpe de Estado, liderada por um grupo de
bolsonaristas, fiéis ao ex-presidente da República, com envolvimento de
militares, alguns deles generais, redundou em um exuberante fiasco. Parece
coisa de aloprados ideologizados, cujo amadorismo contrasta com a formação de
alguns deles nos “kids pretos”: as Forças Especiais. Em todo caso, parte da
cobertura jornalística e midiática tem dado destaque ao Exército enquanto
instituição, visando a atingir a sua própria imagem. Ora, tal tentativa é divorciada
ideologicamente da realidade. Se a tentativa de golpe não prosperou, é porque a
maioria absoluta do Alto Comando, conforme relatório da Polícia Federal,
impediu que esse empreendimento tivesse êxito. Logo, se golpe não houve, isso
se deve aos militares. Manchete que poderia ter sido escrita: Alto Comando do
Exército impede o golpe!
O golpe não vingou graças à intervenção dos
ditos generais melancias, verdes por fora e vermelhos por dentro. Ora, esses
generais provavelmente nem votaram em Lula da Silva, sendo democratas e
conservadores. Estavam e estão, isso sim, apegados à Constituição,
obedecendo-a. Querer qualificálos como sendo de esquerda é um disparate. Os
mais destacados foram: general Tomás Ribeiro Paiva, na época comandante militar
do Sudeste, hoje comandante do Exército; general Valério Stumpf, na época
comandante do Estado-Maior; general Richard Nunes, na época comandante militar
do Nordeste, hoje chefe do Estado-Maior; general Guido Amin, hoje comandante
militar do Sudeste, entre outros. Formaram eles maioria no Alto Comando, com
comando de tropa, logo, tendo o poder decisório.
Nesse aspecto, havia uma divisão interna no Exército. Foram
alguns desses generais difamados nas redes sociais, com os seus familiares
sendo ofendidos e indiretamente ameaçados. Segundo a Polícia Federal, o general
Braga Netto estaria na origem desses ataques pessoais e familiares. Por via de
consequência, é pouco plausível que se espere alguma solidariedade dos atuais
comandantes em relação aos generais e aos militares que estão envolvidos nessa
articulação golpista. Agiram individualmente, não seguiram a orientação do Alto
Comando, além de serem considerados pessoas com comportamento moral pouco
digno.
Chama particularmente atenção, na reprodução das gravações,
o pouco manejo da língua portuguesa por parte dos envolvidos. As frases são
frequentemente sem nexo, com o predicado se encaixando com dificuldade no
sujeito e viceversa. Os militares, entre os altos oficiais, são pessoas que
prezam os livros. Para quem tem contato com eles, é comum dar livros como
presentes e troca de informações sobre leituras em curso. São também leitores
contumazes de jornais, com destaque para O Estado de S. Paulo. Logo, os iletrados
nem honram, nesse sentido, a tradição militar. Note-se também que essas
gravações mostram ainda uma quebra de hierarquia, com um coronel tratando um
general pelo nome, usando o pronome você. Coronel trata general de senhor!
Mesmo entre os generais, em eventos sociais, eles se tratam, de modo geral, por
senhor.
Houve uma quebra de hierarquia, uma vez que as orientações
do Alto Comando não foram seguidas. As “consultas” golpistas deveriam, naquele
momento, ter dado o assunto por encerrado. No entanto, as articulações
prosseguiram, à revelia dos generais legalistas. Portanto, a novidade trazida
pelas investigações da Polícia Federal consiste em que os militares golpistas
seguiram com o seu empreendimento, o que dá a esse processo um caráter
quixotesco. Isso porque não há golpe bem-sucedido sem o envolvimento do Exército.
Se este disse não, o destino do golpe estava selado: fracasso!
Nesse contexto, a invasão do Palácio do Planalto, a ocupação
da Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, por um grupo de arruaceiros,
acaparados ideologicamente pelo bolsonarismo, não pode ser vista seriamente
como uma tentativa de golpe. Isso porque o golpe já tinha sido abortado pelo
Alto
Comando. O seu objetivo foi, porém, o de produzir a
insegurança institucional, com a ideia estapafúrdia de que isso poderia
suscitar uma indignação popular. Ora, qualquer tentativa de golpe só pode ser
bem-sucedida se, além de grandes manifestações, houver um grupo muito bem
organizado, estendendo os seus tentáculos sobre várias instituições do Estado,
e uma intervenção do Exército e das Forças Armadas em geral. Sem essas
condições, não há golpe que possa ser exitoso.
Assim, os participantes dessa jornada de violência são
inocentes úteis, que foram manipulados. Em linguagem militar, talvez se possa
dizer que foram bucha de canhão. Dentre os presos, não há nenhuma personalidade
relevante. Entretanto, o Supremo os está tratando como se fossem grandes
conspiradores, com penas exorbitantes em relação aos atos cometidos. O tempo
que já passaram em prisão é uma pena suficiente. Deveriam ter um processo
jurídico normal, e não o de criminosos julgados por um tribunal de exceção.
Foram partícipes do estertor de um golpe já naquele então fracassado!
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