No próximo dia 1º de janeiro, o presidente Lula da Silva
inicia a segunda metade de seu mandato de quatro anos, num cenário marcado por
fantasmas e adversidades que se instalam sobre o governo. No plano interno, o
Executivo terá que enfrentar um Congresso hostil e ressentido, principalmente
agora que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, sancionou
o bloqueio de 4,2 bilhões de reais (US$ 660 milhões) das alterações
parlamentares das comissões e da investigação da Polícia Federal sobre o possível
uso fraudulento desses recursos.
A questão
problemática dessas emendas é que 40% delas beneficiariam o Estado de Alagoas,
pátria e reduto eleitoral do atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur
Lira. Como apontamos em artigos anteriores, Lira atua como um ilustre chefe da
máfia desde seu cargo, distribuindo recursos e influência dentro do Congresso e
chantageando o governo com o poder que detém sobre a maioria dos deputados do
chamado Centrão.
A intenção de Lira e seus capangas parlamentares sempre foi que os
recursos obtidos por meio de emendas fizessem parte do orçamento secreto, ou
seja, que os parlamentares não tivessem a obrigação de informar quem liberou os
gastos, para quem e em que atividade ou trabalho esses quantias foram usadas.
Uma verdadeira caixa preta do destino do dinheiro público. Como o governo se
encontra em situação de fragilidade para confrontar os parlamentares e seus
grupos de interesse, cabe ao STF zelar pelo uso adequado dos bens públicos,
assegurando que tais recursos atendam à exigência de transparência e
rastreabilidade. Por isso, os ilustres parlamentares acusam o governo central
de conluio com o Judiciário para dificultar a atuação de deputados e senadores.
Diante disso, ameaçam boicotar as próximas votações de extrema importância para
o Executivo, como, por exemplo, a aprovação da Lei Orçamentária Anual.
A discórdia
entre o atual parlamento e o governo é reforçada pelo clima beligerante
alimentado pelas forças de Bolsonaro e pelos setores de extrema direita.
Falsamente, a imprensa tem se dedicado a chamar a atenção para a perigosa
radicalização ou polarização do país, mas objetivamente os únicos setores que
se radicalizaram nesta última década são os grupos de extrema direita
brasileiros. Se, por um lado, a resposta intuitiva à crise é a construção de um
clima de tolerância e de diálogo na sociedade que permita um debate pluralista
e ponderado sobre os vários projectos em disputa, por outro lado, parece que a
única forma de conter as ameaças dos grupos golpistas deveria ser a aplicação
de sanções exemplares àqueles que promoveram ações conspiratórias conscientes
para quebrar o Estado Democrático de Direito.
Aqueles que
participaram das invasões às sedes dos Três Poderes em janeiro de 2023 têm
solicitado a aplicação de anistia presidencial a todos os acusados como um gesto do Executivo que ajuda
a “pacificação” do país. Junto a isso, pedem perdão para anular a
inelegibilidade do ex-presidente Bolsonaro, pensando em sua candidatura para as
eleições de 2026. Ao mesmo tempo que
apelam à compreensão do presidente Lula, conspiram simultaneamente em todas as áreas possíveis contra o governo federal, inclusive. responsabilizando-o por
tragédias climáticas como as enchentes do Rio Grande do Sul ou os incêndios
devastadores em São Paulo, Amazonas e Pantanal, quando a maior parte da
incompetência observada nesses casos. São responsabilidade das administrações
estaduais, controladas justamente por representantes da direita.
Porém, na
área das políticas sociais e das ações de combate à pobreza, o saldo é
negativo. A desigualdade e a exclusão continuam a ser um dos grandes problemas
que se arrastam há décadas e a percentagem de famílias que vivem na pobreza
continua a ser um desafio à democracia que a actual administração não conseguiu
reverter. Os serviços públicos continuam numa situação deplorável e milhares de
pessoas são condenadas anualmente à morte ou a uma vida de sofrimento devido à
falta de cuidados adequados no sistema público de saúde. Doenças como a cólera,
a febre amarela, a malária ou a dengue continuam a causar a morte de milhares
de habitantes todos os anos. Somente no caso desta última doença, segundo dados
do Ministério da Saúde, até o momento neste ano foram registrados 6.630.766
casos de dengue, dos quais quase 6 mil terminaram em óbitos confirmados e
outros mil casos de óbitos em investigação. para confirmar a causa.
Para
melhorar a vida das pessoas que mais precisam, o governo deve necessariamente
aumentar seus gastos sociais, mas as barreiras impostas pelo Congresso com o
argumento de que o equilíbrio fiscal é mantido inviabilizam qualquer decisão do
Executivo que vise destinar mais recursos para programas sociais, sob ameaça de
sofrer um processo de impeachment por irresponsabilidade no uso do dinheiro
público, como aconteceu em 2016 com a presidente Dilma Rousseff.
O país
também vive uma epidemia de violência, não só por parte de organizações
criminosas de tráfico de droga e de milícias, mas também por parte de várias
forças policiais que utilizam métodos horríveis e ilegais para confrontar os
criminosos. Vários casos de assassinatos sumários perpetrados pelas “forças da
ordem” chocaram os cidadãos deste país. Institutos e Centros de Estudos
dedicados ao tema alertam que houve um aumento notável na letalidade policial
neste ano, e em alguns estados aumentou 160 por cento, como é o caso de Mato
Grosso do Sul. Outros estados com números alarmantes de execuções. são São
Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Distrito Federal. Para o especialista
em segurança pública, José Vicente, isso é intolerável: “Sabemos que quando há
um aumento dessa letalidade, muita coisa errada está acontecendo. É muito
provável que pessoas tenham morrido sem ter que morrer nas mãos de agentes do
Estado.”
Em relação
à questão ambiental, o cenário é decepcionante. Embora o Brasil vá sediar a
próxima Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP 30), a ser
realizada na cidade de Belém, Estado do Pará, em novembro de 2025, a ação
governamental nesta área tem muitas tarefas pendentes. O descaso com as
políticas de preservação e cuidado nos biomas brasileiros é especialmente
grave, especialmente nos territórios do Cerrado, Pantanal, Amazonas e Mata
Atlântica. Milhares de hectares de florestas são queimados ou destruídos todos
os anos, sem que os órgãos de fiscalização e proteção consigam cumprir o seu
papel, por diversos motivos: falta de funcionários para fiscalizar as áreas de
risco, falta de recursos e infraestrutura para realizar o monitoramento ou conluio
de funcionários com empresas florestais e empresários sem escrúpulos que
realizam atividades criminosas nesses espaços. Desta forma, as queimadas, o
desmatamento, o extrativismo ilegal, a poluição das águas e a depredação de
ecossistemas valiosos fazem parte de uma constelação de problemas que
comprometem seriamente as práticas de sustentabilidade prometidas no programa
de Lula e na sua coligação de partidos.
No plano
internacional, a reeleição de Trump e a ascensão de líderes de extrema direita
em todo o mundo colocaram em alerta as autoridades governamentais e o
Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty). A política externa brasileira
sempre foi caracterizada pelo seu pragmatismo e neutralidade, mas as guerras e
conflitos existentes em diversas regiões desafiam a capacidade de Lula de
operar como um mediador eficaz no concerto global. É consenso entre os quadros
diplomáticos que o Brasil não tem mais o destaque que já teve como nação capaz
de participar de acordos para promover a paz na região e no planeta.
A
conjugação de todos estes aspectos tem impedido Lula de aumentar ou mesmo
manter a sua popularidade, que, embora não tenha caído drasticamente, não
conseguiu estabilizar-se nos níveis que tinha no início do seu mandato.
Portanto, o grande desafio da segunda metade de sua gestão será exorcizar esses
e outros demônios que vêm se fortalecendo nos últimos dois anos. Se a tendência
é que essas ameaças aumentem num futuro próximo, as chances de o atual
presidente se tornar uma aposta certa nas próximas eleições para chefiar um
quarto governo ficarão seriamente comprometidas ou diretamente anuladas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário