sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

PALAVRAS EM AGONIA

Ruy Castro, Folha de S. Paulo

Nada mais está perto, mas próximo; ninguém mais vive, vivencia; e não há mais simpatia, só empatia

No avião, ouço a voz da comissária: "Senhores passageiros, estamos próximos à decolagem." Oba! Finalmente vou descobrir onde fica a decolagem. Deve ser um lugar, porque, segundo a moça, estamos próximos dela. Já reparei que, ao levantar voo no Santos Dumont para São Paulo, o avião rola de mansinho pela pista, acelera e, quando passa pela Escola Naval, decola. Se a decolagem é um lugar, significa que esse lugar é ali, diante da antiga ilha onde, em 1555, Villegagnon tentou construir a França Antártica. Isso justificaria a frase "Estamos próximos à decolagem".

Mas, e se a decolagem não for um lugar, e sim uma ação? Mais correto, então, seria dizer "Dentro de instantes iremos decolar". Ou "Estamos perto de decolar". Isso obrigaria, no entanto, ao uso de uma palavra que está se despedindo da língua, como se seu significado tivesse se exaurido. A palavra é "perto". As pessoas agora dizem "Estou próximo de sair", não "perto de sair", "Estou próximo de conseguir emprego", não "perto de conseguir emprego".

"Perto" não é a única palavra em agonia entre nós. Há muitas mais, substituídas por outras que se instalaram e ganharam a preferência nacional. Exemplos. Ninguém mais coloca algo em lugar nenhum —"posiciona". Ninguém termina mais nada —"finaliza". Ninguém mais tem resistência física ou emocional —é "resiliente". Ninguém mais completa ou enriquece um texto —"atualiza".

Ninguém mais vive isso ou aquilo —"vivencia". Ninguém mais acrescenta algo ou alguém — "adiciona". Ninguém mais entrega ou manda alguma coisa — "encaminha". Se for uma entrega com endereço, "direciona". E não há mais possibilidade de você ter respeito ou consideração por alguém, só "empatia". A "empatia" abunda. "Empatia" se tornou sinônimo até de simpatia, embora sejam muito diferentes, tanto que o antônimo de empático não é antipático, mas indiferente.

Sei bem que falar das palavras que estão sendo expulsas da língua é coisa desagradável, polêmica, difícil de enfocar. A não ser que, contumaz no uso do eu foco, tu focas, ele foca, nós focamos, vós focais e eles focam, você "foque" nelas.

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