Lula e Bolsonaro desafiam a teoria do “pato manco”, pois
mantêm expectativa de poder mesmo debilitados
A governabilidade do presidente Lula em seu terceiro mandato
se degrada a cada demonstração de que não tem como resistir ao Congresso de
centro-direita que o pressiona de todos os lados. A revelação de Malu Gaspar de
que Lula mobilizou seu ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha,
para liberar alguns recursos especiais aos deputados federais por meio de
manobra usando o Ministério da Saúde como uma espécie de “laranja”, é
vergonhosa para um governo eleito com, entre muitas outras promessas, a de
acabar com o “orçamento secreto”.
A demonstração de fragilidade do Executivo
diante da nova postura do Congresso em relação às emendas parlamentares pode
ser comparada à medida extrema adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro de
delegar ao presidente da Câmara, Arthur Lira, o comando das emendas, abrindo
mão de negociá-las para passar a conspirar 24 horas por dia por um golpe que
lhe desse poderes absolutos.
Naquela ocasião, Bolsonaro foi considerado equivocadamente
um “pato manco” (lame duck), expressão usada principalmente na política
americana para definir o político que continua no cargo, mas que, por algum
motivo, não pode disputar a reeleição e perde a expectativa de poder. A
expressão nasceu na Bolsa de Valores de Londres, no século XVIII, em referência
a investidor que não pagava suas dívidas e ficava exposto à pressão dos
credores. A ave (e o político) com problemas torna-se presa fácil dos predadores.
A expressão surgiu de um velho provérbio de caçadores: “Never waste powder on a
dead duck”, ou “nunca desperdice pólvora com pato morto”.
Pois bem, Lula e Bolsonaro desafiam a teoria do “pato
manco”, pois mantêm expectativa de poder mesmo debilitados. Bolsonaro foi
apoiado pelos mesmos políticos que o desmoralizaram na manipulação das emendas,
pois viram nele o único capaz de derrotar Lula, que voltava à cena eleitoral
depois de reabilitado pela Justiça. Hoje, já há setores políticos considerando
que Lula não terá condições de disputar a reeleição em 2026, seja pela idade
(81 anos), seja pela saúde ou até mesmo pela impossibilidade de vencer a
eleição devido aos problemas econômicos que se sucederão.
A inferioridade do esquema político de Lula diante do
Centrão pode ser constatada pela tentativa, malograda de largada, de eleger
apenas um senador em 2026, em vez de dois, como previsto na Constituição. Isso
porque se prevê que a oposição, especialmente a direita, poderá eleger grande
parte dos senadores, o que lhe daria poderes políticos variados, inclusive o de
pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF), cujos ministros podem ser
impedidos por senadores.
Assim como Bolsonaro foi para a direita em 2022, também Lula
seja talvez a única chance de a esquerda se manter no poder. Isso poderá fazer
com que ele se veja na obrigação de assumir o papel de candidato novamente,
mesmo sem condições. Se forem confirmadas, porém, a impossibilidade de tanto
Lula quanto Bolsonaro (inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral) concorrerem
à Presidência em 2026, talvez tenhamos chance de nos livrar da polarização
radicalizada que vivemos desde 2018 e partamos para uma disputa aberta entre as
diversas forças partidárias que existem no país.
Assim como aconteceu em 1989, na primeira eleição direta
para a Presidência da República depois da ditadura militar, poderemos ter
diversos candidatos disputando o espaço dominado pelos extremos políticos nos
últimos anos. Embora na esquerda o tema continue sendo tabu, na direita e no
centro já existem diversos candidatos à vaga aberta com a saída forçada de
Bolsonaro. Tanto Lula quanto Bolsonaro, no entanto, não admitem discutir a
sucessão antes do tempo que consideram justo. Lula só designou Fernando Haddad
como candidato do PT à Presidência em 2018 semanas antes do pleito. Hoje, mais
uma vez o ministro da Fazenda parece o sucessor natural caso Lula não se
candidate. Bolsonaro, tudo indica, fará o mesmo que Lula, aguardará até o
último instante para definir que candidato apoiará.
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