Queda de ponte revela urgência de privatizar estradas
Governo só leiloou nove das 35 rodovias que pretende
licitar. Resultado: manutenção deficiente — e tragédias
A sexagenária ponte Juscelino Kubitschek, ligando os
municípios de Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO), dava sinais de que poderia
cair a qualquer momento, mas eles foram ignorados. No dia 22, enquanto um
vereador filmava os indícios de degradação, parte da estrutura que integra a
BR-226 veio abaixo, arrastando veículos que passavam. A queda causou a morte de
pelo menos dez pessoas — outras sete permanecem desaparecidas — e gerou
preocupação sobre a contaminação da água do Rio Tocantins pelas
cargas tóxicas nas carretas que se acidentaram.
Ninguém pode se dizer surpreso. Um documento do próprio
Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (Dnit), responsável pela administração da rodovia, apontou em 2020
problemas como inclinações nos pilares, rachaduras e fissuras. Os últimos
reparos de vulto ocorreram entre 1998 e 2000. Em maio deste ano, o Dnit abriu
licitação para reformar a estrutura, lhe dar “melhores condições de segurança e
trafegabilidade”, além de “reabilitar e aumentar a sobrevida”. As empresas que
se apresentaram não preencheram os requisitos exigidos. A tragédia foi mais
rápida.
Mais uma vez fica patente o descaso com a
infraestrutura do Brasil. Deveria ter servido de alerta o acidente com uma
ponte na BR-319, no Amazonas, em setembro de 2022. A estrutura sobre o Rio
Curuçá desabou enquanto carros passavam. Cinco pessoas morreram e mais de dez
ficaram feridas. Apenas dez dias depois, outra ponte caiu na mesma rodovia sem
deixar vítimas. Nos dois casos, os riscos eram conhecidos.
O governo precisa cuidar melhor da infraestrutura sob sua
administração, especialmente pontes e viadutos. Se a rodovia está aberta, os
motoristas confiam que existem condições de segurança. Não deveriam. De modo
geral, a conservação é insatisfatória. A última pesquisa da Confederação
Nacional do Transporte (CNT) mostrou que 33,6% das rodovias mantidas pelo poder
público no Brasil foram classificadas como ruins ou péssimas, quase seis vezes
a parcela registrada nas estradas sob concessão (6,1%).
A conclusão é óbvia: a União deveria transferir à iniciativa
privada as rodovias passíveis de concessão. Não só para dar-lhes melhores
condições, como também para poder se dedicar às que dependem de recursos
públicos para manutenção e obras. O programa de concessão de rodovias em
andamento é ambicioso no papel, mas avança lentamente na prática. Como
mostrou reportagem do GLOBO, em dois anos de mandato, o atual governo
licitou apenas nove dos 35 trechos rodoviários previstos para leilão até 2026.
É preciso acelerar.
Com o aquecimento da economia, tem aumentado o tráfego de
veículos de carga e de passageiros nas estradas. Isso traz mais desgaste, mais
acidentes e exige manutenção mais rigorosa e mais frequente da infraestrutura.
Manter rodovias e pontes conservadas significa dar mais segurança aos usuários.
É o que se espera de um governo que impõe aos contribuintes uma das mais altas
cargas tributárias do mundo. Não cabe ao cidadão, e sim ao poder público,
fiscalizar e conservar essas estruturas. O cidadão não pode pagar a conta da
inépcia governamental ou da lentidão para conceder ao setor privado aquilo que
o público não tem condição de manter. Tragédias não respeitam os prazos da
burocracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário