Eu creio na democracia. É o melhor regime porque é capaz
de defender-se e vencer os que contra ela investem cometendo crimes, como
ocorreu nos episódios de 8 de janeiro
Tenho a sensação de que o tempo está passando por uma
compressão nos últimos anos. Se fosse físico, fascinado como sou pelas
partículas de altas energias, iria estudar esse fenômeno que sinto. O tempo,
como tenho dito, é uma criação do homem. Principalmente as datas redondas. Fui
surpreendido quando verifiquei que, no dia 15 de janeiro, daqui a cinco dias,
completamos 40 anos da minha eleição com Tancredo Neves para a Presidência da
República. Assim, encerramos o período dos governos militares, quando tivemos
leis e procedimentos autoritários, o que, para uns, era uma ditadura e, para
outros, um regime de exceção, em que de quatro em quatro anos era eleito um
general, por um Colégio Eleitoral composto de deputados e senadores. Durante
esse tempo, estava em vigor o Ato Institucional nº 5, que suspendia os direitos
individuais e civis, possibilitando um regime autoritário de abandono da
Democracia — em 1978, no governo Geisel, fui relator no Congresso da Emenda
Constitucional nº 11 extinguindo o AI-5.
Naquele 15 de janeiro de 1985, Tancredo
afirmava que a nossa eleição seria a última de uma reunião do Colégio
Eleitoral. Depois, já como presidente, enviei ao Congresso o projeto para a
extinção desse sistema e a volta das eleições diretas para presidente da
República. Ao mesmo tempo já estava nas duas Casas do parlamento a convocação
da Assembleia Constituinte, que nos daria a Constituição de 1988,
restabelecendo os direitos civis e individuais, criando em nível constitucional
os direitos sociais. Voltava a democracia, e, agora, vamos comemorar neste ano
de 2025 a sua volta, há 40 anos.
A democracia, dizia Lincoln, é o regime do povo, para o povo
e pelo povo. Já Churchill proclamava ser o pior regime criado pelos homens, mas
não existir melhor. Outro dia, eu li uma declaração do Mujica, ex-presidente do
Uruguai, de que a democracia era uma "porcaria", mas, copiando
Churchill, reconhecia não haver coisa melhor. E um grande filósofo
austro-britânico, um epistemologista muito objetivo e realista, afirmava
"ser um regime em que se podia, de forma pacífica, substituir um governo
ruim".
Para mim, a democracia tem como definição máxima ser o
regime da Liberdade, com um poder criativo que assegura ao cidadão todos os
seus direitos individuais. Sem liberdade, não há dignidade humana. Quando era
presidente da República, logo que assumi, em 1985, assinei a mensagem ao
Congresso Nacional para exame da Adesão do Brasil à Convenção Americana de
Direitos Humanos e aos Pactos das Nações Unidas sobre Direitos Civis e
Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; depois, em novembro
de 1989, assinei o decreto de promulgação da Convenção Interamericana para
Prevenir e Punir a Tortura, como disposto no Pacto de São José Costa Rica, para
a garantia dos direitos humanos. Essas garantias só a liberdade pode assegurar.
Foi pela liberdade que, em 1985, com a minha eleição e de
Tancredo, restauramos a democracia no Brasil. Agora, a democracia não traz o
milagre da solução dos problemas de um país, mas desperta um sentimento de que
se deve resolvê-los de imediato. É a síndrome do já. Ela vem desde Dom Pedro
II: quando lhe perguntaram se queria a maioridade, ele respondeu: "Só se
for já".
Essa foi a grande tarefa da nossa transição
democrática. Administrar o "já" da solução de todos os problemas. É
que tudo devia ser resolvido imediatamente. Todos os problemas, inclusive os
institucionais. Enfrentei 12 mil greves e, com paciência, calma, tranquilidade
e prudência, pudemos trazer de volta a democracia, a liberdade e os direitos
sociais. É por isso que o brasilianista Ronald M. Schneider escreveu que a
transição democrática no Brasil foi a melhor de todas. Trouxe a liberdade, a
democracia e não deixou hipotecas militares.
Eu creio na democracia. Sou seu devoto. Sempre lutei por
ela. É o melhor regime porque é capaz de defender-se e vencer os que contra ela
investem cometendo crimes, como ocorreu nos episódios de 8 de janeiro de 2023.
Este é um alerta a todos os que pensam em abatê-la.
*Ex-presidente da República, escritor e imortal da
Academia Brasileira de Letras
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