Ignorando críticas de corporativismo, ativismo e
partidarismo, a Corte diz que está ‘salvando a democracia’ e ‘civilizando o
País’. Mas a percepção popular parece ser a de que faz o oposto
Em sua posse como presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), em setembro de 2023, Luís Roberto Barroso citou sua fórmula predileta
para descrever a magistratura – a “vanguarda iluminista que empurra a história
na direção do processo civilizatório” – e a ilustrou com uma lista de
prioridades: combate à pobreza, desenvolvimento sustentável, liderança
ambiental do Brasil e investimentos em educação, ciência, saneamento e moradia.
Com altas autoridades, celebridades e magnatas, a festa que se seguiu consumou
a autocelebração da Corte. Pudera: os ministros não se cansam de repetir que o
STF “salvou a democracia”. Parecia chegado o momento de reformá-la.
No entanto, em dois anos, a credibilidade da Corte
despencou. Segundo pesquisa do PoderData, o contingente de brasileiros que
consideram o desempenho do STF “ótimo” ou “bom” diminuiu de 31% para 12%. Os
que consideram “ruim” ou “péssimo” passaram de 31% para 43%. A pesquisa não
indaga as razões. Mas este jornal tem algumas hipóteses.
A percepção de que as cortes judiciárias são cortes
aristocráticas conta muito. Os juízes, que deveriam garantir que a lei seja
igual para todos, são especialistas em pervertê-la a seu favor. Com o teto
constitucional de remuneração depredado sob a complacência da Corte
constitucional, o céu é o limite para a concentração de benefícios
inimagináveis para o resto do funcionalismo, e ainda mais para os cidadãos
comuns, que bancam o Judiciário mais caro do mundo.
Mas o subdesenvolvimento não se improvisa e esse
patrimonialismo não é obra de dois anos, mas de décadas. De resto, outras
pesquisas mostram que o descrédito do STF é maior que o do Judiciário. Logo, há
de haver outras razões para ele.
Uma delas é o afã pelos holofotes. Sentenças são anunciadas
fora dos autos, até antes dos autos. Convescotes com poderosos de Brasília ou
empresários são propagandeados como “discussões sobre o Brasil”, mas não poucos
brasileiros leem nas entrelinhas lobby e conflito de interesses.
Quem dera os ministros quisessem só “discutir” o Brasil e
não reconfigurá-lo. Ora atuando como moderador entre os outros Poderes, ora
extrapolando suas competências, o STF age como um poder imperial, determinando
ao Executivo políticas públicas (de câmeras em uniformes policiais até o modo
de combater incêndios ou abrigar moradores de rua) e dispondo-se a reescrever
leis (sobre aborto, drogas, internet e demarcação de terras indígenas, entre
outros temas).
Mas quem dera a Corte só se intrometesse nos afazeres dos
representantes eleitos, sem favorecer lados. No entanto, garantismo e
punitivismo flutuam ao sabor da conveniência partidária. Condenações de réus
confessos pela Operação Lava Jato são anuladas a rodo. A Lei das Estatais,
criada após esses escândalos, foi temporariamente suspensa para que o governo
lulopetista forrasse empresas estatais com correligionários. O vale-tudo
“contra a corrupção” do lavajatismo renasceu mais forte no vale-tudo “pela democracia”
dos inquéritos intermináveis e sigilosos contra bolsonaristas. Mesmo críticos
que nada têm a ver com o bolsonarismo são censurados como “extremistas” e suas
críticas são tomadas como “ataques às instituições”.
Patrimonialismo, paternalismo, corporativismo, protagonismo,
autoritarismo, partidarismo quadram mal com a sobriedade e a imparcialidade que
se esperam da Justiça, e a reprovação popular parece decorrer disso.
Viradas de ano são propícias para rever posições e corrigir
rumos. A época do Natal evoca palavras do Evangelho: médico, cura-te a ti
mesmo. Os ministros fariam bem em se ocupar menos com os ciscos nos olhos dos
outros Poderes e mais com as traves nos seus. A “vanguarda iluminista” do
Supremo pode ignorar olimpicamente conselhos como esses e também o sentimento
público. Mas, se continuar semeando vento, que não se surpreenda quando colher
tempestade.
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