Governo Lula armou armadilha econômica que pode
comprometer seus planos de reeleição
O ano começa com uma crise cuja origem é sobretudo
psicológica. Afinal, é preciso reconhecer os acertos da equipe econômica, a
despeito do balanço negativo que fizemos aqui nas últimas colunas de 2024. Os
ministros Fernando Haddad e Simone Tebet têm consciência da gravidade da
situação fiscal e buscam soluções para equacioná-la.
Correções tributárias foram implementadas e, mesmo quando
perderam os embates no Congresso, conseguiram conter a sangria de recurso, como
nos casos dos limites à desoneração da folha e do Perse.
Mas se a dívida pública saltou de 71,4% para 77,8% do PIB
desde o início do mandato, claramente o arcabouço fiscal tem sido insuficiente.
E quando o anúncio do tão aguardado “ajuste pelo lado da despesa” veio não
apenas com propostas aquém do necessário, mas ainda acompanhado de sinais
dúbios de compromisso da cúpula do governo com essa agenda - e, pior, do
respaldo político dos ministros da Fazenda e do Planejamento - disparou-se o
gatilho da desconfiança dos agentes do mercado.
Desde então o ministro Haddad e o próprio
presidente Lula entraram num estado de negação, imputando à especulação
financeira a responsabilidade pela disparada do dólar e dos juros. Acontece que
a persistência desses sintomas pode levar a efeitos bastante concretos na
economia real ao longo de 2025 e além.
Com o dólar acima de R$ 6,00 há ganhadores - como o agro, a
mineração e a Petrobras - e a geração de divisas para o país, mas a elevação do
custo de insumos básicos, máquinas e equipamentos tendem não somente a impactar
a inflação quanto a exigir cortes de despesas que podem afetar o emprego.
No lado do crédito, o patamar já anunciado de Selic a 14,25%
a partir de março inviabiliza os planos de investimentos de muitas empresas,
colocando em dúvidas a capacidade de resiliência da economia brasileira em
entregar um crescimento de 2% do PIB em 2025.
Outra adversidade derivada da combinação de juros altos e
real desvalorizado foi levantado em matéria de 6/01 elaborada por Fernanda
Guimarães e Mônica Scaramuzzo aqui no Valor. O alto endividamento
de empresas grandes e médias, seja com valores tomados no exterior, seja em
operações internas atreladas ao CDI, tendem a gerar uma onda de pedidos de
recuperação judicial e extrajudicial, segundo especialistas que se debruçaram
sobre os balanços contábeis no meio empresarial.
Para piorar, não dá para se esperar ajuda vinda lá de fora.
O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos já levou a uma
tendência de valorização do dólar frente às principais moedas internacionais,
diante da perspectiva de uma administração que priorizará o protecionismo, a
redução de impostos e o combate à imigração - todas medidas que têm como efeito
direto ou indireto uma maior inflação.
A perspectiva de os títulos da dívida americana voltarem
para o patamar de 5% ao ano em breve mostra-se uma “oportunidade incrível” para
os investidores, como descrito em relatório recente do Citigroup - dando uma
medida do potencial de atração de capitais para o principal centro financeiro
mundial, dando ainda mais força para o dólar frente às moedas dos outros
países, inclusive o real.
Do outro lado do globo, crescem os temores de que a China
inicie um processo de “japanização”, com a estagnação da demanda mesmo diante
de estímulos monetários e fiscais. Embora não seja nenhuma hecatombe no curto
prazo, é prenúncio de que não devemos esperar alento de nosso principal
parceiro comercial.
O ciclo se completa quando se projetam os impactos desse
contexto econômico adverso sobre a corrida eleitoral de 2026. A pesquisa
divulgada na semana passada pela Tendências Consultoria, indicando um
crescimento do percentual de domicílios pertencentes às classes A, B e C
durante o terceiro mandato de Lula, além de ser motivo de comemoração, deveria
ligar o sinal de alerta quanto aos desafios que se apresentam para a disputa
presidencial.
De acordo com a pesquisa, a combinação do aquecimento do
mercado de trabalho com a valorização do salário mínimo e o incremento nos
benefícios sociais levaram a uma expansão no número de domicílios com renda
familiar superior a R$ 3.400 mensais, que pela primeira vez desde 2015
superaram o percentual de famílias pertencentes às classes D e E.
Acontece que essa população que ascendeu ou retornou à
classe C mostra-se muito dependente da situação econômica para se manter lá. De
acordo com a Tendências, 90,8% da sua renda vem do trabalho, enquanto quase 2/3
das suas despesas concentram-se na tríade habitação, alimentação e transporte.
Isso significa que uma deterioração do mercado de trabalho ou o encarecimento
do custo de vida, numa perspectiva de juros e dólar muito pressionados, pode
jogar essas famílias novamente para a pobreza.
Lula e seu entorno político precisam ser convencidos de que
a reversão do quadro de perda de credibilidade da política econômica não
representa uma capitulação diante das exigências especulativas do mercado, mas
sim a tentativa de conservar os ganhos para uma parcela da população que pode
ser decisiva nas eleições do ano que vem.
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